Filme Mais ou Menos Recomendável

Big Jato
2016
Direção: Cláudio Assis


É fato que, mesmo com polêmicas aqui e ali, e divergências ideológicas um tanto rasteiras, o cinema brasileiro em 2016 não foi dos melhores. Filmes aclamados como "Boi Neon" e "Aquarius", no final das contas, mostraram-se fogo de palha, e outras produções, como o esperado "Mãe Só Há Uma", ficaram apenas nua média razoável. "Big Jato", do polêmico cineasta pernambucano Cláudio Assis, está no segundo grupo: não chega a ter nada de espetacular, mas, também, não é um filme medíocre, tornando-se até mesmo uma das "melhores" produções nacionais deste ano (o que, infelizmente, no contexto geral, não é muita coisa).

O que talvez incomode aos espectadores de "Big Jato" sejam os seus sub-textos, mais ou menos machistas, que emulam muito do autor original da história: o escritor Xico Sá. No entanto, se deixarmos essas divergências (um pouco) de lado, iremos encontrar um filme bem feito, e com uma carga de humanidade que pouco foi explorada no cinema nacional esse ano, cujos filmes preferiram ou as velhas "metáforas para o nada" ou um posicionamento político raso e tacanho. O que mais chama a atenção é o fato de Cláudio Assis conseguir extrair alguma substância de um argumento, a bem da verdade, fraco, e que, em outras mãos, seria usado apenas como uma peça de propaganda para Xico Sá.




O roteiro, baseado livremente num livro do citado escritor, trata da vida limitada que leva Chico, um rapaz que é obrigado a trabalhar com o pai num serviço insólito: como limpador de foças na distante cidade de Peixe de Pedra. Enquanto sonha com ares muito melhores para a sua vida, Chico tem em seu tio, Nelson, um famoso locutor da rádio local, uma válvula de escape para os seus desejos. É Nelson quem dá de presente a Chico uma máquina de escrever, incentivando o menino na arte da poesia, além de encorajá-lo a fugir de sua cidade natal, antes que ele vire um "fóssil". 

O interessante aqui é a construção dos personagens. Tanto o pai de Chico quanto o seu tio, Nelson, são, basicamente, a mesma pessoa, só que em mundos diferentes. Ambos bebem muito, e não têm nenhuma grande expectativa na vida, apesar do aparente porralouquice de Nelson, que usa da rádio para propagar a sua poesia e exaltar Os Betos, uma banda que, segundo ele, foi a inspiração para os Beatles. Mesmo assim, os dois possuem suas limitações, e, à sua maneira, são pessoas fracas. Chico, ao contrário, mesmo oprimido pelo pai, que considera a poesia a perdição do mundo, mostra-se cada vez mais "fora" de Peixe de Pedra. 




E, então, que vem a parte mais incômoda de "Big Jato", pois, fortes ou fracos, os homens possuem um tempo considerável em tela, sendo eles, limitados ou não, os únicos "seres pensantes" do filme. As mulheres, na trama, só servem ou como objetos sexuais dos homens ou como seres opressores da masculinidade do restante dos personagens, caso da mãe de Chico, por exemplo. Mas, como dito antes, não há o que se estranhar nisso, afinal, os textos do Xico Sá "real" têm esse quê machista, mascarados de liberais. Nesse aspecto, o roteiro não tinha muito o que fazer, caso contrário, descaracterizaria a essência do autor original da obra. Bom lembrar Cláudio Assis se envolveu, recentemente, numa polêmica de cunho machista, ao desdenhar da cineasta Anna Muylaert em uma coletiva. Portanto, esse sub-texto acaba não sendo mera obra do acaso, e, sim, isso é chato de se constatar em "Big Jato", mesmo que seja uma ou outra cena pontual.

Porém, mesmo assim, o filme consegue ser belo em alguns momentos. As participações especiais de Jads Macalé nas "intervenções poéticas" não são à toa, e toda vez que o seu personagem aparece, ele tem o que dizer. A história do núcleo familiar de Chico também é muito bem resolvida, mostrando as agruras e aflições de seus pais e irmãos com uma naturalidade tocante e genuína. Nesses momentos, as falas são quase documentais e sem filtro, e nos importamos de verdade com aquelas pessoas. Já, a direção de Cláudio Assis tem melhorado ao longo de seus filmes, e podemos dizer que, com "Big Jato", ele alcançou um patamar excelente, com closes e planos sequências bem melhores que nos seus filmes anteriores. 




Em termos de atuações, mesmo que todos estejam muito bem em seus papéis, não há como negar que "Big Jato" É de Matheus Nachtergaele, que interpreta, ao mesmo tempo, Francisco (pai de Chico) e o seu irmão Nelson. São dois personagens que, mesmo distintos, complementam-se, e o ator consegue dar uma personalidade diferente a ambos, mostrando que ainda consegue ser um dos mais talentosos intérpretes brasileiros dos últimos anos. No aspecto técnico, diga-se, temos o melhor filme de Cláudio Assis, sem dúvida, que rivaliza, nesse aspecto, com "Febre do Rato". Fotografia e edição estão numa boa harmonia, e não deixam o filme pedante, mesmo que, em alguns momentos, ele fique mais ou menos arrastado. Pra completar, a trilha sonora, calcada num rock clássico dos anos 60, é bem dosada e pontua de forma correta as cenas que se insere.

No saldo geral, "Big Jato" é um bom filme, mas, que acaba sofrendo demais a influência de seus realizadores, em especial, de Xico Sá. E, Cláudio Assis, mesmo não se mostrando tão apelativo quanto em "Baixio das Bestas", ainda precisa aprender como construir uma personagem feminina forte, e que não seja usada apenas para ficar nua em suas produções. Pode até parecer birra dos atuais tempos do politicamente correto, mas, se formos pensar que o melhor filme nacional de 2015 ("Que Horas Ela Volta?") tem uma das melhores personagens femininas do cinema nacional recente, a crítica moral a Cláudio Assis e cia não é tão infundada assim. Um filme não é só um filme; sempre diz algo a mais do que vemos superficialmente. 


NOTA: 6/10


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