Dica de Filme

Alabama Monroe
2012
Direção: Felix Van Groeningen


O tema do luto é recorrente no cinema. Às vezes, com algo tão denso, ótimos filmes são feitos ("O Quarto do Filho"). Já, em outras, o resultado é desastroso ("Manchester à Beira-mar").  Isso porque, o luto, em si, não é um assunto fácil de ser tratado. Acrescentem aí a mão pesada de alguns realizadores, que, por falta de talento, forçam a nossa emoção, sem nunca nos envolvermos, de fato, com o drama ali retratado. O maior pecado de uma produção assim é soar fria, calculista e, por fim, pedante. Felizmente, "Alabama Monroe" vai na contramão de qualquer apelação, mesmo que o tema seja o mesmo de tantos outros dramas rasos que lotam premiações como o Oscar mundo afora.

O principal desse filme, e que é esquecido com frequência, é a necessidade do envolvimento com o espectador. Não adianta a "genialidade" em se fazer "metáforas fabulosas", e sequências cheias de estilo, se não há naturalidade nas cenas, e se os personagens não forem minimamente bem construídos. É preciso uma certa dose de empatia, mesmo que alguém, durante a trama, mostra-se antipático ou até mesmo cruel. As circunstâncias da morte, mesmo que "esperada", são penosas, e por isso, precisam ser bem equilibradas. Personagens angustiados com as suas perdas não significam que um filme precise ser "carregado", sacal, insuportável.




Não é preciso mais do que alguns minutos, por exemplo, para nos envolvermos na história de "Alabama Monroe". Logo nos primeiros instantes, já somos cúmplices, amigos e camaradas de Didier e Elise. Ele, um músico de country e ela, uma tatuadora. Ambos bastante apaixonados. Corta para uma cena num hospital, onde uma menina se encontra bem doente, e já deduzimos que se trata da filha do casal de protagonistas. E, assim assistimos a momentos do presente e do passado deles; alguns tristes, e outros alegres, mas, sempre contrapondo a cena anterior. Em muitos casos, é um recurso batido, e que não acrescenta nada à história, mas, aqui, esses momentos tão diferentes entre si têm propósito: forçar uma reflexão sobre nossas escolhas, e como eles podem interferir em nossa vida, mesmo que sejam pequenos detalhes, mínimas atitudes.

Esse vai e vem na história, diga-se, além de não ser gratuito, não é confuso. Identificamos com facilidade quando se tratam de momentos "passados" ou "presentes". A interligação temporal entre uma sequência é outra é tão importante para a trama, que, num determinado instante podemos nos questionar o porquê do filme falar sobre determinado assunto (parecendo mais uma espécie de propaganda a um país específico). Só depois de um tempo, quando ocorrem acontecimentos decisivos na narrativa, é que entendemos aquelas cenas, aparentemente, sem nexo, mostradas lá atrás, e que reverbera na mudança de posicionamento de Didier, que passa a fazer discursos carregados de raica, mas, com razão. Para alguns, isso pode parecer (apenas) panfletário, porém, a crítica que o filme faz no tocante a certos assuntos é honesta, certeira e sem meias palavras. Nada de metáforas desnecessárias.




O filme é muito feliz ao abordar diversos temas, sem se perder na proposta. Aqui, não temos só a questão da perda, mas, do quanto é difícil a paternidade e a maternidade para muitos, as relações amorosas, que podem se desgastar com o tempo, a religião que trava o progresso, o ceticismo que torna tudo frio e mecânico demais, etc. Como pano de fundo, esses assuntos servem muito bem à trama principal, fazendo de "Alabama Monroe" não somente um longa para ficarmos tristes, mas, sobretudo, para ficarmos reflexivos. Mas, reflexivos obre o quê? Nesse caso, a escolha é do espectador, visto que o filme não condena ninguém. Se quisermos aceitar a visão crítica de Didier, é totalmente válido. Já, se nos identificarmos que a introspecção e misticismo de Elise, também é aceitável. O que o filme não oferece (e, isso é certo) é a apatia.

Ao mesmo tampo, "Alabama Monroe" não é uma produção fácil. Algumas coisas são muitos sutis, o que requer certa paciência nossa para assistirmos até o final, e entendermos a intenção de certas cenas, que, aparentemente, são bobas. Uma das coisas que mais chama a atenção é que as dores retratadas não são forçadas ou pré-fabricadas. Ao contrário, mesmo que, inevitavelmente, choremos numa cena ou outra, a naturalidade das situações é incrível. Realmente, sentimos que Didier e Elise são um casal, que os amigos deles são gente bacana, que a filha deles é uma graça (e, por isso, ficamos ainda mais angustiados com o desenrolar das situações), entre outros aspectos. É a imersão na vida dos personagens, que, com pouco tempo, já nos parecem íntimos, como se os conhecêssemos há anos.




Claro, todo o esforço do roteiro em fazer algo genuíno poderia cair por terra caso tivéssemos atores ruins nos seus respectivos papéis. Pelo menos, aqui, isto não ocorre. Veerle Baetens e Johan Heldenbergh abraçam seus personagens de maneira cativante. Fica até difícil imaginar que não sejam um casal na vida real. Nell Cattrysse, que faz a filha deles, está adorável. E, até os coadjuvantes são muito bem retratados, desde o médico que cuida da menina, até os amigos da família, todos gente boa e carismáticos, sem estereótipos ou coisas do tipo. A cena, por exemplo, em que eles recepcionam o casal e sua filha quando estes voltam do hospital é de uma simplicidade maravilhosamente desconcertante. E, temos que destacar, óbvio, a direção segura de Felix Van Groeningen, que, unida a um roteiro (também de Van Groeningen) cheio de significados, e uma edição que permite traçarmos os mais importantes paralelos da vida em seus altos e baixos, deixa o resultado bem acima da média no que se refere a esse tipo de drama.

Vida e morte, alegria e tristeza, ceticismo e fé, política e religião. "Alabama Monroe" aborda tudo isso sem precisar ser caricato. Faz pensar sem a necessidade de ser pedante. Deprime e entristece sem soar piegas. E, apesar de tudo, no final, ainda temos uma certa dose de otimismo. Não que isso sublime a força do filme, mas, é interessante como a produção alterna temas tão difíceis através de uma história de perdas, que diz muito sobre nós, em especial, a respeito dos nossos relacionamentos e da nossa visão de mundo (seja ele egoísta ou altruísta). Enquanto a dor de uns é usada para se fecharem em si, em outros, ela é usada para eles tenham mais consciência, como se os seus traumas revelassem algo do particular para o universal. E, ainda assim, temos um drama de complicada digestão para a maioria, que prefere ver o sofrimento de maneira clichê, piegas, e, no fim, distante. "Alabama Monroe" nos convida a algo que vai no extremo oposto disso. Se o envolvimento acontecerá ou não, aí já é uma escolha meramente individual.


NOTA: 9/10


Comentários