Dica de Filme

Fragmentado
2017
Direção: M. Night Shyamalan


MCAVOY (EM ESTUPENDA ATUAÇÃO) E SHYAMALAN (APENAS COMO DIRETOR, E NÃO COMO ROTEIRISTA) SALVAM "FRAGMENTADO" DO DESASTRE

O diretor M. Night Shyamalan, há muito tempo, não entrega um filme realmente bom. O último foi ainda no longínquo ano de 2001, com o interessante (mas, não espetacular) "Corpo Fechado". Voltar à ótima forma da sua brilhante estreia (a cargo de "O Sexto Sentido") parecia algo impossível, já que o resto da filmografia dele é, de fato, constrangedora ("Sinais", "Vila", "A Dama da ÁGua", "Fim dos Tempos" e "O Último Mestre do Ar"). Mas, eis que 2015 trouxe uma luz: o bom "A Visita", que, se está longe de ser memorável, pelo menos, não comprometeu ainda mais a carreira do cineasta. E, finalmente, chegamos a 2017, e seu mais novo filme, "Fragmentado". E, verdade seja dita: aqui, quase que o resultado derrapava de vez se não fossem por mínimos detalhes.




O problema, e que neste filme, fica mais claro do que nunca, é que o Shyamalan diretor não é o Shyamalan roteirista. Como cineasta, sem dúvida, ele é bastante talentoso, muito inventivo na hora de escolher enquadramentos, trilhas sonoras, e sabe como compôr um belo clima de suspense. Nesse quesito, ele é um dos melhores da atualidade em Hollywood. Mas, inevitavelmente, somos obrigados a aguentar o Shyamalan roteirista, e é aí que o caldo entorna. Suas premissas são boas e até inusitadas, conferindo um quê de autoral à sua obra. O "x" da questão é que ele exagera na hora de escrever suas histórias. Isso porque são coisas tão mirabolantes, tão absurdas, que ele, talvez, veja-se obrigado a encontrar soluções igualmente absurdas para os personagens em suas tramas. Nisso, haja (inúmeros) furos de roteiro.

Se não, vejamos a sinopse de "Fragmentado": Kevin Crumb é um rapaz que possui um grave transtorno psicológico, o que permite que ele tenha nada menos do que 23 personalidades diferentes em sua mente. Personalidades, essas, que ele pode alternar quando "quiser". As coisas se complicam quando ele sequestra três jovens por motivos obscuros, e as mantém em cativeiro. Em paralelo a isso, o mesmo Kevin se encontra frequentemente com a Dra. Karen Fletcher, que já estuda há muito tempo o caso de seu paciente, e acha que algo de errado está acontecendo. Quanto mais tempo as garotas permanecem no cativeiro, mais e mais elas vão conhecendo as múltiplas personalidades de Kevin, e, aos poucos, uma delas, Casey, começa a identificá-las e tenta, com isso, achar um meio de escapar.




Imaginem só que premissa fabulosa, não? Daria margem para se fazer um filmaço daqueles. Mas, não é bem isso o que nós temos, e a culpa é, claramente, do Shyamalan roteirista. O primeiro deslize acontece logo nos primeiros minutos, com a sequência do sequestro, muito mal redigida. A direção até tenta amenizar o ridículo da coisa, mas, acaba ficando explícito que "qualquer coisa" foi escrita para deixar a narrativa "seguir". E, é então, que vemos um segundo defeito, que é a forma como as personagens das meninas foram concebidas. Obviamente, que há um medo natural das mulheres em serem sequestradas, e, logicamente, abusadas por homens, e, por isso mesmo, fica estranho que Casey e suas amigas, quase que o tempo todo, sejam tão passivas diante dessa situação. Ok, que, em raras ocasiões, uma delas até ameaça planejar atacar Kevin quando ele aparecer, mas, a "tranquilidade" delas não convenceu. As atuações das atrizes, convenhamos, "ajudaram" nesse aspecto.

E, tudo fica mais estranho ainda porque diretor e roteirista são a mesma pessoas, mas, Shyamalan (perdão o trocadilho) parece "fragmentado". É como se alguém escrevesse algo tão sem lógica, que o diretor precisasse correr para amenizar o prejuízo, e tentar mascarar essas falhas. Pelo menos, nesse sentido, vemos o quanto o cineasta se "comportando" como cineasta é ótimo em seu ofício. Sem muitos dos histrionismos de seus filmes anteriores, ele consegue realizar sequências que geram tensão o tempo todo, devido ao quesito imprevisibilidade: estamos esperando que ocorra algo, e, muito provavelmente, vai ocorrer, mas, no tempo certo,para causar o impacto desejado no espectador. No entanto, depois de uma cena angustiante, vem algum outro vício do Shyamalan roteirista, como, por exemplo, ficar batendo na mesma tecla sobre um determinado assunto (a infância de Casey) que vai ser primordial para a trama muito em breve. Seria interessante se esse recurso não fosse usado à exaustão. Outro grande defeito que o roteiro possui é o subaproveitamento de praticamente todos os personagens, em especial, a Dra. Karen, que, a princípio, mostra-se tão inteligente e especialista no ramo da psicologia, mas, que, num determinado momento, comete uma imprudência completamente inverossímil para alguém como ela.





Se há algo realmente de superlativo aqui, e que vale o ingresso, este algo é, sem dúvida a atuação de James McAvoy. Se já não é fácil dar "vida"e pequenos nuances a 23 personalidades distintas, digamos que chega um momento na trama em que uma dessas personalidades tenta "imitar" a outra, numa atuação dentro da atuação dentro da atuação (se é que me entendem). É surpreendente a composição de McAvoy, que não apenas produz falas diferentes para essas personalidades, mas, também modos de se vestir, de andar e até de olhar característicos de cada uma. Uma atuação digna de ser indicada ao Oscar, caso a Academia não tivesse tanto preconceito contra "filmes de gênero". E, mesmo que o roteiro, em geral, seja mal escrito, e possua uma infinidade de clichês, ele consegue ser um pouco inusitado lá no final, com um desfecho que chega a ser até deprimente e revoltante, por flertar com questões como as consequências do abuso infantil. Ah, e os últimos segundos ainda reservam uma boa surpresa para os conhecedores da filmografia de Shyamalan.

"Fragmentado" quase chegou lá pra ser um grande filme, quase ficou acima da média, quase é a volta por cima do seu diretor/roteirista. Mas, pra quem não ficou nenhum pouco contente com suas realizações pós"Corpo Fechado", ao menos, aqui vai encontrar um filme mais bem feito e menos caricato do que suas produções dos últimos anos. Por sinal, já seria bom Shyamalan começar a pedir uma certa ajuda na hora da concepção de seus roteiros, nem que fosse, pelo menos, uma parceria. Com alguém do seu lado, talvez, ele erre menos, e possa , que sabe um dia, proporcionar o mesmo impacto que causou num passado um pouco distante, com o atemporal "O Sexto Sentido". Enquanto isso não acontece, fiquemos com "Fragmentado", que se não é uma maravilha, acaba sendo, mesmo assim, uma experiência interessante, graças a uma direção inventiva de seu realizador e, principalmente, de uma atuação fantástica de seu principal intérprete.


NOTA: 7/10


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