Dica de filme ("O bebê de rosemary")


Dica de Filme

O Bebê de Rosemary
1968
Direção: Roman Polanski


UM DOS TERRORES SOBRENATURAIS MAIS INSTIGANTES E AMEDRONTADORES DO CINEMA

Pós-terror em pleno século XX? Desculpe os desavisados, mas se pós-terror significa horror psicológico, com elementos que remetem diretamente a desarranjos familiares, isso já era (muito bem) feito há cerca de 50 anos atrás, quando um tal de Roman Polanski dirigiu um perturbador pesadelo de nome O Bebê de Rosemary, uma produção que envelheceu muito pouco, e que ainda pode agoniar os espectadores mais impressionados por aí, principalmente aqueles que gostam de uma boa história contada aos poucos, sem pressa, onde a ambientação é o horror em si. Se esse é a seu caso, o quinto longa de Polanski é um prato cheio para você (e, para a sua mente, claro).




Quando o filme começa, vislumbramos uma panorâmica aérea que diz muito logo de início. Prédios modernos são mostrados em sua grandiosidade, para a câmera parar, justamente, num prédio de estilo bem mais antigo (e, soturno). É como se, mesmo moderno, o mundo ainda estivesse impregnado pelas coisas do passado. 

Um passado, inclusive, que tem a ver com a história desse mesmo prédio, um lugar onde coisas horríveis aconteceram no passado, algo que não parece incomodar o casal Rosemary e Guy Woodhouse. Ele, por sinal, desdenha dessas histórias macabras sempre com alguma piada fora de hora, o que já vai demonstrando um pouco de sua personalidade (algo que será essencial para justificar as suas atitudes no decorrer da trama).

E, já nesses primeiros minutos, nota-se a impressionante capacidade narrativa do senhor Polanski. Sua câmera é ágil, dinâmica, mas não chega a ser frenética. É apenas uma habilidade que permite com que nos envolvamos mais naquele universo, inclusive com algumas longas sequências sem cortes, bem como o posicionamento do olhar do diretor, muitas vezes, atrás dos personagens, como que a espiá-los de algumas forma. 

Tais artifícios geram um nível formidável de imersão, onde simplesmente não nos entediamos um minuto sequer, mesmo a produção tendo mais de duas horas de duração. E, tudo isso a serviço de uma história realmente intrigante, e, sob muitos aspectos, aterrorizante, afinal, imaginar um "ser estranho" se desenvolvendo no frente de uma mulher é algo, no mínimo, aterrador.




É bom ressaltar que o horror em O Bebê de Rosemary está no psicológico, no campo das sugestões. Até mesmo quando o filme apela mais pra uma exposição (um tanto bizarra, diga-se) do terror que se forma ao redor da protagonista, a produção não perde o seu ar perturbador e incômodo de algo ainda pior pode estar por vir. 

Além da direção magistral de Polanski, essa sensação de angústia e desolação é reforçada pela excelente atuação de Mia Farrow, que passa a sensação, à princípio de uma mulher frágil, mas, que se mostra, ao longo da trama, uma personagem bastante forte, astuta e aguerrida. Torcemos por ela, queremos o bem dela, desejamos o fim do seu sofrimento (algo, inclusive, que só se agrava ao longo da história). Uma baita composição de personagem, sem dúvida.

O roteiro como um todo, baseado no livro homônimo de Ira Levin, é muito bem elaborado, colocando pequenas pistas do que está acontecendo, de fato, mas não revelando tudo de cara, o que nos obriga a assistir até o último segundo para descobrirmos qual será realmente o desfecho de tudo. Ótimo trabalho, que também ficou a cargo de Polanski. 

Completa tudo uma trilha sonora, ora minimalista, ora bem estranha mesmo, que dá a tônica da narrativa, como se "algo" estivesse sempre à espreita ou à margem da personagem principal, o que causa ainda mais uma sensação de incômodo que ajuda a entrar no clima de uma história que, além de conter o elemento horror, ainda possui, nas entrelinhas, uma crítica certeira em relação à busca do sucesso a todo custo, o que pode degradar qualquer relação, inclusive, as amorosas ou familiares.




O mais angustiante, macabro e trista, no entanto, é constatar que o filme ganhou a alcunha de amaldiçoado, principalmente depois da tragédia que se abateu sobre Polanski, que teve a sua esposa (grávida) brutalmente assassinada por uma seita de fanáticos, justamente, após a estreia do longa. Um escabroso caso onde a vida imitou a arte da pior maneira possível. 

Ainda assim, a despeito desse fato absurdo, O Bebê de Rosemary é um filme de horror no sentido mais puro da palavra, onde, de fato, você não encontrará sangue jorrando e sustos gratuitos, e sim, uma atmosfera pesada, carregada, onde o verdadeiro terror está em não poder confiar, sequer, nas pessoas mais íntimas. 

Muito aterrador.


NOTA: 9,5/10


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