Dica de Filme ("Folhas de Outono")

 Dica de Filme


Título: Folhas de Outono
Ano de lançamento: 2023
Direção: Aki Kaurismäki


Um amor que floresce entre a primavera das nossas vidas e o inverno de um mundo aterrador

O cinema de Aki Kaurismäki nunca foi uma arte de fácil assimilação. Mesmo as situações mais simples carregam um simbolismo enorme que é preciso um pouco mais de atenção para "pescar". Caso contrário, fica só a impressão de ter assistido algo estranho. Porém, o seu recente filme, "Folhas de Outono" é incrivelmente "palatável" (dentro da cinebiografia do diretor, claro). É quase como se fosse "A História Real", o filme mais normal de David Lynch. No entanto, mesmo envoltos nessa suposta normalidade narrativa, ambos os filmes se apegam se apegam a histórias simples e singelas do cotidiano para dizer algo a mais. 

Voltando a "Folhas de Outono", aqui temos uma dupla de protagonistas, um homem e uma mulher, ambos, imersos em um mundo duro e, em certa medida, assustador. Os dois trabalham em empregos altamente exploradores, o que faz com que ele viva deprimido, e bebendo sempre para aplacar sua tristeza. Porém, ambos acabam se conhecendo em uma saída completamente trivial a um karaokê. E, a partir daí, do jeito um tento calado, frio e arredio, irão se conhecer mais e, por que não, ter uma espécie de relacionamento. 




Uma das coisas mais interessantes é que Kaurismäki aproveita essa história de amor um tanto inusitada para também tecer críticas sociais. Só que não óbvias. A todo o momento, tanto ele quanto ela escutam rádio, e as notícias mais frequentes (pra não dizer onipresentes) se referem aos ataques russos à Ucrânia nestes últimos tempos. Mesmo quando ambos estão juntos, e querem apenas escutar uma música para relaxar, notícias de bombardeios a Kiev estão lá, como um lembrete de que não há espaço para descanso nesse mundo, que a todo momento há uma tragédia acontecendo. 

Mas, felizmente, o filme não pesa nem um pouco a mão nesse sentido, mesmo quando mostra que o sistema de trabalho atual continua explorando os mais pobres. Contudo, mesmo com essas questões em pauta, em vários outros momentos o filme é mais leve e divertido (obviamente, ao estilo de Kaurismäki, com seu humor que faz graça a partir da seriedade e de certa melancolia dos personagens). É quase como se o filme admitisse que a vida é tragicômica, cheia de contradições e problemas, mas, ainda com alguns pontos de leveza (assim como as folhas que caem no outono). 

O roteiro é muito bom porque não entrega nada de mão beijada, nem a crítica social que vez ou outra notamos no ambiente de trabalho dos personagens e nas incursões de rádio sobre a guerra, nem do próprio sentimento de ambos os protagonistas. Ele está realmente só melancólico e deprimido, ou há algo a mais em sua tristeza? E por que ela se interessou por ele rapidamente? Seria amor genuíno o que um sente pelo outro, ou apenas carência diante de tantos revezes na vida? Nada disso é mostrado de maneira expositiva, e nós, enquanto espectadores, precisamos pincelar detalhes para construir essa, que talvez, seja só uma simples e singela história de amor.




"Folhas de Outono" também se assemelha a uma pequena crônica do cotidiano, onde pequenas ações podem ser bastante significativas para quem tem uma vida excessivamente simplória e sem perspectivas, trabalhando muito e ganhando pouco, imerso em noticiários de tragédias, e cuja única diversão é ter encontros com alguns esporádicos amigos para ouvir músicas que, cujas letras, já apresentam um coeficiente bem significativo de depressão e melancolia. 

De fato, o ambiente retratado no filme parece algo frio e sem vida demais, como o prenúncio de um longo inverno. Mas, há alguma perspectiva (e talvez esperança) naquilo de mais básico que temos, que são as relações gumanos, mesmo que elas ainda sejam invasivas, um tanto arredias. Porém,, ainda assim, são relações, onde um tenta compreender o outro, e, mesmo assim, fazendo suas exigências pessoais (é o ser humano é um animal difícil).



Sim, "Folhas de Outono" é um filme sobre o amor. Um amor meio complicado de se lidar, mas, que, aos trancos e barrancos, pode ser construir em uma bonita história. Apesar da melancolia. Apesar das notícias da guerra. Apesar dos empregos horríveis que somos obrigados a ter. Apesar de tudo isso, Kaurismäki construiu uma obra esperançosa, de certo modo engraçada, meio trágica às vezes, mas, que traz algumas reflexões sobre nós e os outros. Um filme, portanto, mais profundo que aparenta. 

 Nota: 8,5/10

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