Debate Sócio-Político

Bandido bom é bandido ressocializado (e, não LINCHADO)


A sensação de impunidade ante tanta violência é, de fato, opressora. Porém, isso está sendo usado como desculpa para a barbárie. Depois que um adolescente infrator foi amarrado e espancado num poste, na cidade do Rio de Janeiro, no começo desse ano, ocorreu uma verdadeira onda de realizar a chamada "justiça com as próprias mãos". Além dos atos de violência em si, eles ainda chegaram a ser gravados e publicados em redes sociais, como um troféu da população contra a inoperância do Estado em prover segurança. Mas, até que ponto pode ser justificado aos civis se rebelarem dessa maneira?

Primeiro, precisamos pensar como classificar atos assim. É consenso de vários (principalmente, juristas) que tratam-se de torturas. Então, partamos para o que a lei diz. Nossa Constituição de 1988 estabelece em seu artigo 5°, inc. III, que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante". É bem claro: tortura, por lei, é considerado crime hediondo, assim como tráfico de drogas e terrorismo.


Agora, vamos a questão social, cotidiana, propriamente dita. Ou seja: até que ponto a sensação de impunidade justifica fazer justiça com as próprias mãos? É notório que o Estado brasileiro ainda é bastante deficiente no tocante a oferecer serviços básicos à população, como a segurança. Porém, ao mesmo tempo, a sociedade que se sentir insatisfeita com o seu governo, possui meios para pressioná-lo. Existe o Ministério Público, um órgão autônomo, que sempre está à disposição para receber as reclamações da população. Sua função já diz tudo: defende a ordem jurídica e fiscaliza o cumprimento das leis.

A própria Constituição dá meios para que a sociedade civil se organize, e cobre das autoridades melhores serviços, através da "Iniciativa Popular", presente em seu artigo 14°. Nesse caso, a apresentação de projetos de lei poderá se dar com a adesão mínima de 1% da população eleitoral nacional, mediante assinaturas, distribuídos por pelo menos 5 unidades federativas e no mínimo 0,3% dos eleitores em cada uma dessas unidades. Ou seja, como são cerca de 140 milhões de eleitores no Brasil atualmente, seria preciso em torno de 1,4 milhão de assinaturas para uma iniciativa popular. E, além de tudo isso, há, claro, a pressão popular através de protestos e manifestações, sejam nas ruas ou via internet.

Deputado Jair Bolsonaro, um notório defensor de tortura pra "vagabundo". O perigo está no fato dele ser uma pessoa pública, formadora de opinião.

Como se vê, existem meios legítimos para que a população cobre de seus governantes. A questão é que o sensacionalismo de uma parte da imprensa, unido ao comodismo natural de uma boa parte da população, fazem com que parta-se para a solução mais simplória (e, consequentemente, ilegal): o linchamento. Não raro, nesses momentos são mencionados lugares-comuns, como o de que "direitos humanos no Brasil é só pra bandido". No entanto, lembremos que estamos numa democracia. Mesmo falha, ela ainda é o melhor sistema de que possuímos, e como bem disse a professora de Direito Flávia Piovesan, "Não há democracia sem direitos humanos e não há direitos humanos sem democracia". É bom salientar também que esses direitos asseguram a livre expressão de ideias, entre outras importantes coisas que, como cidadãos, nos é permitido.

No entanto, uma parte da população parece insistir em cometer tais barbaridades, e isso vem preocupando as autoridades. O caso recente da dona de casa Fabiane Maria de Jesus mostra nuito bem o porquê da preocupação. Ela foi espancada, morrendo dois dias depois no hospital, porque foi acusada de sequestrar crianças para rituais de magia negra. Tudo não passou de boatos. "A Constituição garante que qualquer cidadão pode prender uma pessoa em fragrante delito. Mas a polícia deve ser chamada imediatamente", disse em entrevista ao site Tribuna do Norte o coronel Francisco Araújo. "Em um caso como esse, as pessoas se tornam as agressora. Também estão cometendo um crime". O coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas da Conflitualidade e Violência (Covio/Uece), Geovani Jacó também opinou sobre esses casos no site O Povo: "O Estado se mostra incapaz de controlar o aumento das ocorrências e a Polícia atua não para prevenir. A população está assumindo um papel do Estado".

Fabiana Maria de Jesus: vítima da barbárie em nome de uma suposta resposta da sociedade à inoperância do Estado.

Essa descrença da população se reflete em números: em pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para o 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado no final do ano passado, mostrou que 70,1% dos brasileiros não confiam no trabalho das polícias. O índice é 8,6 pontos percentuais maior do que o registrado em 2012.

Em resumo: está claro que o Estado falha em seu papel, mas é alarmante que a sociedade ache normal massacrar um suposto criminoso, tornando-se, igualmente, infratora da lei. E, ainda há, evidentemente, a probabilidade desse massacre ser imposto a um inocente, como ocorrido recentemente. Ou achamos um meio cabível de cobrar providências pela falta de segurança, ou iremos viver num ambiente sem normas, onde tudo é permitido, caso um grupo insatisfeito assim o queira.


ERICK SILVA

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