Dica de Filme

The Lobster
2015
Direção: Yorgos Lanthimus


Alguns milagres acontecem, inclusive, na arte. Há alguns anos, pra quem já teve o desprazer de assistir à produção "Dente Canino", sabe muito bem qual o significado da expressão "filme ruim". Deveras apelativo, a sua estória não tinha nexo algum, não passava o mínimo de mensagem, e tudo só servia de desculpa para mostrar cenas "polêmicas", de incesto entre irmãos. Não mais que isso. Enfim, o típico pseudo-intelectual pra cult ver.

Eis que que o novo filme do diretor, "The Lobster", chega, e não é que se trata de uma grande produção. Deixando para trás a péssima imagem deixada por sua empreitada anterior, Yorgos, simplesmente, tece aqui uma bem construída fábula sci-fi sobre as imposições sociais pelas quais as pessoas estão submetidas. As críticas que ele apresenta são certeiras e mordazes, e, com certeza, é o tipo de longa que merece ser assistido mais de uma vez.




A estória, em si, é um grande deboche (e, um tapa na cara de muitos):  num futuro distópico, não é permitido a ninguém ficar solteiro. Não ter um compromisso firmado é punido com cadeia. Então, muitos ingressam num hotel onde vão passar cerca de 4 semanas buscando o seu "par ideal". Caso não consigam, são transformados no animal que quiserem. Ponto. Só essa premissa já dá margem pra um desenvolvimento muito interessante da narrativa, e é isso o que é feito (felizmente).

Lembremos que este filme também é uma comédia, o que acaba gerando sequências hilárias. Num determinado momento, o personagem de Colin Farrell, enquanto preenche a ficha do local, pergunta se pode colocar "bissexual" na preferência sexual. A atendente, por sua vez, diz que essa opção já foi tirada de protocolo há muito tempo. Outra cena de destaque é o pequeno teatro que os organizadores do Hotel fazem demonstrando os males de uma vida de solteiro.




E, nisso, o roteiro vai, inteligentemente, brincando com esteriótipos, preconceitos e e pequenas violências cotidianas que todos passam apenas para se adequarem a um modelo pré-determinado. Porém, a crítica não está apenas na imposição do relacionamento, mas, também na obrigação em não ter um. Emblemático termos na estória uma espécie de "campo de refugiados de solteiros", que impõem leis tão severas quanto aquelas que combatem na sociedade.

A produção não deixa por menos o destino de nenhum dos personagens, sendo, até certo ponto, um tanto cruel com eles. Só que diante dessa crueldade, todos ficam impassíveis, quase insensíveis, como se ser frio fosse a única necessidade para a humanidade num futuro próximo. Todos os sentimentos precisam ser contidos, e a identidade se perde. Mais uma engrenagem do sistema a produzir, cada vez mais, comportamentos em série. A liberdade de escolha, enfim, torna-se coisa do passado.




Sim, "The Lobster" é mais do que aparenta. Por baixo de uma camada externa, aparentemente, nonsense, absurda, esconde-se uma fina ironia que pede, com muito jeito, que repensemos o que nos é empurrado goela abaixo, e porque não lutamos pelo direito da escolha. E, mesmo com uma responsabilidade tão grande em querer passar esse tipo de mensagem, ainda consegue ser cinema de primeira, com ótimas atuações, roteiro instigante e direção precisa.

Um belo achado nesse ano de 2015, principalmente, em tempos em que virou moda falar de distopia no cinema, mas, nem sempre, com a qualidade desejada.


Nota: 9/10

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