Dica de Documentário

Últimas Conversas
2015
Direção: Eduardo Coutinho


O adolescente. O jovem. Este ser tão pouco compreendido pela maioria. Alguém que sempre tem o que dizer, mas, que já vem meio pré-moldado pelos pais, pela escola, pela igreja, pela sociedade. Foi com esse receio que o cineasta Eduardo Coutinho filmou este documentário. Segundo ele mesmo, era preferível falar com crianças. Essas não têm filtro, e geralmente falam o que querem. Realmente, teria dado um ótimo registro. Mas, felizmente, a ideia inicial de conversar com jovens persistiu. E, o resultado ficou fascinante.

Uma câmera estática. Uma cadeira. Uma sala praticamente vazia. E, uma pessoa ali, na frente de Coutinho, expondo um pouco das suas ideias, dos seus medos, dos seus sonhos. Isso, e somente isso, já bastou. Coutinho se mostra aqui um ótimo ouvinte, um instigador de mão cheia (nesse momento, inevitável não lembrar do saudoso Abujamra). E, os depoimentos dessa gente nova, tão pouco ouvida, são muito bem conduzidos.




Interessante é que cada um possui uma personalidade distinta dos demais. Talvez, o que os una sejam algumas dúvidas, dilemas essenciais que fizeram (e fazem) muitos deles questionarem. Questionarem os pais, a escola, a vida. Mas, nenhum é exatamente igual ao outro. É uma miscelânea. E, todos, sem exceção, possuem uma estória interessante para contar, seja o de uma menina criada pela mãe e sua companheira (a quem, carinhosamente, chama de "padrasta"), seja um rapaz que, após sofre buylling, abandona o ensino médio, e volta a estudar após um intenso período de depressão.

Basicamente, é isso. Conversas informais com pessoas que já têm algum entendimento da vida. No entanto, olhando mais atentamente, percebemos a intenção de Coutinho com o seu filme: fazer questionar, tentar mostrar ao espectador que, ao mesmo tempo que cada um de nós é único, vivemos numa engrenagem maior, com pessoas ao nosso lado que, provavelmente, têm muito a nos ensinar. E, é isso o que, aparentemente, o próprio cineasta também busca.




Ao final, pelo menos, um dos desejos de Coutinho realizado: a entrevistada é uma criança, Luiza, de apenas 6 anos. Fica nítido o encantamento do diretor pela ingenuidade da menina, pelas suas respostas diretas e sinceras, sem maquiagens. É dela, inclusive, uma das melhores frases do documentário: "Deus é um homem que morreu". O cineasta, claro, cai na gargalhada ante algo tão genuíno, e, ao mesmo tempo, tão puro.

Torna-se ainda mais emocionante o fato de que esse foi o último trabalho de Coutinho em vida. Antes mesmo de finalizar a produção, ele deixou este mundo, após, contudo, já ter captado todas as imagens para a produção. Quem editou o documentário foi sua companheira de longa data Jordana Berg, sendo o trabalho finalizado pelo documentarista João Moreira Salles. Com tanto zelo envolvido, não poderia, jamais, ter saído um resultado ruim (bem longe disso, aliás).



Coutinho sai de cena com um belo testamento. Uma obra que acabou, involuntariamente ou não, sintetizando sua carreira como artista e sua vida como pessoa. Sendo eternamente inquieto, ele buscava significados, questões importantes, e, em seu ocaso, um tanto de simplicidade. Foi embora ensinando aos jovens com quem conversou (e, a todos nós, por tabela).


Nota: 8,5/10

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