Dica de Filme

Crash - Estranhos Prazeres
1996
Direção: David Cronenberg


O desejo sexual, reprimido ou não, numa sociedade em constante estado de deterioração. Só esta premissa já dá argumentos pra estórias bastante interessantes. No caso do escritor J. G. Ballard, serviu como base para criar um livro, onde encontramos uma metáfora em que o prazer está intimamente ligado à dor e ao sofrimento. Para ilustrar isso, pessoas que sentem prazer ao se envolverem em acidentes de carro. Serviu como uma luva para um cineasta como Cronenberg.

Mas, apesar do enredo forte e denso, esperem nada de tão grotesco assim. Sim, estamos falando de um diretor que causou repulsa com produções como "Videodrome" e "A Mosca". Mas, a violência aqui não é tão explícita quanto se faz supor. Ao contrário; ele é até bem comedida. O que são claras e muito bem filmadas são as cenas de sexo, porém, sem serem, necessariamente, explícitas. Isso faz com que tudo fique suspenso dando até uma aura de mistério ao filme.




Tanto é, que fica difícil classificar "Crash" num drama, numa fantasia ou mesmo num estilo noir. A trilha sonora, simples, suave, bem anos 80, dá esse aspecto cult à produção sem soar pedante. Cronenberg filma tudo com calma, sem pressa de mostrar os acontecimentos. Personagens como James e sua esposa Catherine, por exemplo, vão sendo desenvolvidos aos poucos. Descobrimos, os seus gostos por jogos sexuais, e o envolvimento deles com com pessoas que irão mudar o rumo desses jogos.

É com a entrada em cena de Vaughan, no entanto, que a trama ganha corpo. Com ele, James descobre os prazeres dos acidentes automobilísticos, e sua intrínseca relação com o sexo (pelo menos, na concepção de Vaughan, claro). É, então, que o enredo vai se desenrolando numa espiral de insanidade que não sabemos qual será, mesmo, o destino dos personagens, principalmente, de James, já que, cada vez mais, ele quer ultrapassar seus limites.




Nas mãos de outro diretor, "Crash" seria um filme apenas vulgar e apelativo. Só que Cronenberg conseguiu realizar um trabalho que incomoda bastante, mas, que não choca pela gratuidade das cenas. Isso porque o que está em jogo aqui não são as sequências de sexo ou de acidentes, mas sim, compreender o íntimos dos personagens, suas motivações, suas loucuras, suas taras. Pode parecer incrível, mas, o filme é mais intimista do que parece.

James Spader e Deborah Kara Unger desempenham muito bem os seus papéis como o casal de protagonistas. Outro que se sai muito bem em termos de atuações é Elias Koteas, como o louco Vaughan. A sequência em que ele demonstra como teria sido o acidente que vitimou James Dean, para uma atenta platéia, é ótima, e dá muito bem a dimensão de um personagem que, geralmente, rouba a cena quando aparece.




E, o próprio Cronenberg dirige tudo com muita competência. Sem os exageros que, por sinal, fizeram de seus filmes recentes experiências sofríveis. Cabe indagar o que teria, então, acontecido com o cineasta nos últimos anos. Em maior ou menor grau, sempre fez ótimas produções, mas, ultimamente, perdeu a mão feio. Precisa, urgentemente, voltar à velha forma, e brindar o seu público com filmes bem acabados como este "Crash".


Nota: 8/10

Comentários