Debate Sócio-Político

A única "culpa" da vítima é "existir"
Por Erick Silva


Um dos maiores problemas dessa sociedade um tanto medíocre é o fato dela se apoiar em discursos fáceis. Quem nunca ouviu a simplória frase "bandido bom é bandido morto", como se isso fosse, de fato, resolver a questão da violência atual. Pois, é. Com outros assuntos, é exatamente a mesma coisa: pega-se uma ideia pré-concebida, geralmente, muito rasteira, sobre algo necessariamente complexo, e se acha que apenas com frases de efeito o tal problema será magicamente resolvido. Com isso, muitos grupos que, de alguma maneira, já sofreram (e, ainda sofrem) preconceito, acabam sendo mais estigmatizados ainda. É o caso das mulheres.

Citarei aqui dois acontecimento específicos ocorridos recentemente. Primeiro, uma jovem cai do ônibus em movimento, e morre, devido à imprudência do motorista, que ia em alta velocidade, e abriu uma das portas do coletivo. Na época, questionou-se o porquê da menina ter pego um ônibus lotado. A questão, no entanto, era óbvia demais, ao mesmo tempo que desconcertante: o local em que ela estava era deserto, e ela, por segurança, preferiu sair dali pegando o primeiro ônibus que aparacesse (lotado ou não). Isso, no entanto, não impediu que ela fosse apontada, por alguns, como culpada pela tragédia.

Outro caso, este mais recente, dá conta de uma mulher que foi violentada com um pedaço de cana-de-açúcar, enquanto esperava seu ônibus numa das paradas do coletivo. Claro, os mesmos de sempre vieram com questionamentos do tipo: "mas, quem mandou ela estar num lugar desses tão tarde da noite". E, é evidente que, novamente, neste caso se culpa a vítima por algo que ela não tem culpa. Agora, suponhamos que, para sair do lugar, ela tivesse pego o primeiro ônibus que aparecesse, e ela, tragicamente, sofresse um acidente, como o outro caso citado acima. Iriam ou não iriam culpar a vítima de todo o jeito?

Esse é o ponto a ser levantado: quase sempre queremos oprimir as vítimas; quase nunca os opressores. Nesses casos em particular, por que não culpar o Estado, que não consegue prover segurança suficiente para a população ou um sistema de transporte coletivo que seja, minimamente, eficaz? Quando a violência é de ordem sexual, por que não culpar os estupradores? Por que, até mesmo, indo mais profundo no debate, não questionamos a própria educação machista que recebemos e repassamos? E, sabem porque ninguém aponta os culpados certos? Porque, simplesmente, não convém.

Para questionar o Estado, seria preciso muita burocracia, feitura de abaixo-assinados, protesto, e outras coisas do tipo. Ninguém está interessado em ter tanto trabalho assim pra exercer alguma espécie de cidadania. Já, para questionar o comportamento da sociedade, em especial, dos homens, seria preciso colocar o dedo na ferida, entender que muita da nossa cultura está errada, que mesmo com tantos avanços, a mulher ainda é vista como ser inferior, ou culpada, caso lhe ocorra alguma forma de violência. Praticamente ninguém, é claro, quer fazer essa reflexão interna de suas próprias atitudes.

E, isso tudo se deve, em grande parte, porque frases de efeitos e discursos fáceis são menos incômodos. É o tipo de atitude de gente que sempre passa a responsabilidade para o "outro", e não para si. Falta a esse tipo de pessoa compreender uma palavra chamada EMPATIA. Ou seja: colocar-se no lugar de terceiros. Seria totalmente ilógico, por exemplo, culpar uma vítima de assalto porque ela estava "exibindo" um relógio de marca ou um celular de última geração. Nesses casos, culpa-se o Estado, pela falta de segurança. Então, por que uma mulher é culpada pelo estupro sofrido ou pela violência doméstica que a acomete? Igualmente ilógico, pois.

Portanto, basta que, antes de qualquer julgamento prévio, pensemos se, no lugar da vítima, estaríamos fazendo o mesmo, ou se, de fato, a vítima em questão, foi, no máximo, imprudente. E, mesmo diante da imprudência, é moralmente inaceitável uma sociedade que julga alguém de forma tão arbitrária, preconceituosa e intolerante. Mas, como, pra reverter isso, é preciso uma forte mudança cultural, infelizmente, ainda seremos obrigados a ver alguém dizer: "O que estava fazendo a essa hora na rua?", "Estava pedindo!", "Se estivesse na Igreja, não acontecia"...


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