Dica de Filme

Doutor Estranho
2016
Direção: Scott Derrickson


O último filme de super-heróis de 2016 prometia algo diferenciado, extravagante e até (perdão o trocadilho) "estranho". E, de fato, "Doutor Estranho" tinha tudo para ser uma produção acima da média dentro do estilo ao qual pertence. Mas, o que encontramos, a bem da verdade, é um produto bastante pasteurizado, já meio desgastado devido a tantos filmes com estrutura igual, mas, que ainda assim, diverte, e fica agradável de se assistir, mesmo que fique a inevitável sensação de decepção. E, um dos motivos pelos quais o freio de mão é puxado a todo momento, responde pelo nome MARVEL. Fica claro que o filme renderia (bem) mais caso fosse produzido por um outro estúdio, pelo menos, algum que desse mais liberdade para a vazão criativa de seus realizadores. No entanto, a cada minuto, exclamamos: "este é um filme da Marvel", e isto não é bom.

Uma outra falha do filme, mas, aí já se refere ao cinema norte-americano de uma maneira geral, é a pressa com que as ações são mostradas. Em menos de meia hora, o vilão (caricato) aparece com as suas costumeiras ações e falas clichês, o doutor Stephen Strange surge em toda a sua arrogância e prepotência, acontece o acidente que inutiliza as suas mãos (objetos primordiais para o seu trabalho), ele viaja para o Nepal em busca de uma "cura", uma espécie de culto o recebe, em pouco tempo, o neurocirurgião é integrado ao grupo (que se utiliza de poderes místicos), e passa a treinar o doutor Strange. Pronto. Déjà vu total. Sabemos, exatamente, o que vai acontecer na trama a partir de então: a difícil adaptação do herói num ambiente desconhecido, a descoberta do seu talento natural para a magia, a sua inevitável queda, o renascimento, e a batalha final com o vilão. Nenhuma surpresa; nada de novo. E, claro, as muitas piadinhas ao longo do enredo, que, até são engraçadas, mas, que, olhando bem, sublimam passagens que deveriam ser mais densas e dramáticas.




Mesmo tão imerso em clichês e lugares-comuns, "Doutor Estranho" tem predicados, razoavelmente, bons. A forma como o hospital aonde o doutor Strange trabalha é muito interessante, fugindo um pouco do "padrão Marvel" de só mostrar lugares alegres ou caricatos. A personalidade do protagonista também é bem construída. Se muitas de suas ações são superficializadas com piadas fora de hora aqui e acolá, ao menos, o personagem permanece arrogante e imprudente do começo até o final, não se transformando em alguém totalmente diferente, mesmo nos momentos mais dramáticos. Os efeitos especiais, convenhamos, ajudam muito (principalmente, se vistos em 3D). Porém, nesse quesito, esperava mais. Como o Doutor Estranho mexe com o mundo místico, o destino, o tempo, e vários outros conceitos abstratos, esperava uma imersão maior num universo mais psicodélico e insano. No entanto, o que temos são efeitos, visualmente, belos, mas, que não exploram toda a sua potencialidade. Parece uma versão mais movimentada de "A Origem", mas, não vai muito além disso.

O roteiro até que se sai bem para um "filme de origem", mesmo assim, esse tipo de abordagem foi bem melhor trabalhada em "Batman Begins" e no primeiro filme do "Homem de Ferro". A diferença é que esses dois, guardadas as devidas proporções, souberam canalizar melhor a essência dos seus respectivos personagens. Já, em "Doutor Estranho", em várias ocasiões, fica a dúvida se o protagonista quer apenas uma cura física ou não, se é totalmente materialista, ou se, antes do acidente, nutria alguma forma de sentimentalidade (em especial, pela sua companheira de profissão), entre outros pontos. Ao longos de seus filmes-solo, entendíamos o porquê de Bruce Wayne ser tão frio e calculista, e Tony Stark ser um fanfarrão. Já, a personalidade do Doutor Strange fica meio dúbia, e mais por falha de roteiro, do que por um clima de mistério. E, além desses fatores, temos o plano do vilão Kaecilius, que é o mais do mesmo "vou dominar o mundo", e o treinamento do personagem principal pelo Ser Ancião, que tem a mesmo estrutura de tantas outras histórias por aí, de "Matrix" a "Kong-fu Panda".




Talvez, a melhor coisa do filme sejam mesmo as atuações. O excelente Benedict Cumberbatch se dá bem em qualquer papel, e como o Doutor Estranho, não é diferente. Sua postura rende até uma certa elegância ao personagem, fazendo com que uma cena que soaria ridícula sendo feita por um outro ator, com ele, ganha dignidade. Outro destaque é a ótima Tilda Swinton, que faz um Ancião sereno, mas, carismático e gentil, como o personagem deveria ser. A interação dela com Benedict é perfeita, e rende as melhores sequências do longa. Entre os protagonistas, cabe citar Chiwetel Ejiofor, como o Barão Mordo e Benedict Wong, como o hilário "bibliotecário" Wong. Já, Mads Mikkelsen faz o que pode para compor um vilão bastante amedrontador, mas, com um texto tão fraco, ele, no final das contas, não consegue tirar água de pedra.




Pois, é, os erros são muitos, porém, o filme, como diversão, desce redondo. São menos de duas horas que passam sem serem percebidas, e ainda há aquela aura de matinê que sempre rende um bom entretenimento.  Os efeitos, mesmo não atingindo a sua potencialidade, funcionam, e o elenco, em geral, está muito muito. E, foi só isso o que fez com que "Doutor Estranho" ficasse, pelo menos, na média. Pois, se fosse depender de sua direção burocrática e de seu roteiro raso e cheio de furos, seria, fácil, um dos piores do ano. E, no frigir dos ovos, a culpa pelo o que o filme tem de ruim, é da Marvel, mesmo, que, entra produção, e sai produção, não consegue ir além do padrão que ela própria criou, e que impede que seus filmes sejam mais do que uma simples diversão passageira de Multiplex.


NOTA: 7/10


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