Dica de Filme

Cassino
1995
Direção: Martin Scorsese


O SUBMUNDO DO JOGO PELA VISÃO DE UM MESTRE

Scorsese é um dos poucos cineastas em atividade que, com raríssimas exceções, parece sempre estar no auge em seus filmes. Portanto, chega a ser meio contrário falar em melhor filme dele, mas, neste caso aqui, é inevitável: "Cassino" é, sem dúvida, um dos melhores filmes do diretor, ao lado de "Taxi Diver", "O Rei da Comédia" e "Gangues de Nova York". Trata-se de mais uma parceria com o estupendo Robert De Niro, e sim, Scorsese fala de um dos seus assuntos preferidos: a máfia, só que, desta vez, somos apresentados à corrupção que está por trás dos jogos de azar, com recorte num local específico: Las Vegas.




O filme é baseado no livro homônimo de Nicholas Pileggi, e conta a trajetória de  Sam "Ace" Rothstein, que, de mero apostador em jogos de azar, passou a supervisionar o cassino Tangiers, em Las Vegas, a mando da máfia. Saímos, portanto, do usual ambiente novaiorquino de Scorsese, mas, continuamos a presenciar a violência sem limites do crime organizado. aqui, encarnada, em parte,pelo insano Nicky Santoro, cujo trabalho é supervisionar para que o dinheiro desviado do cassino chegue a Chicago. E, como é de costume no cinema do diretor, temos também a desconstrução do "sonho americano", que, no filme, está muito bem representada pela ambiciosa Ginger, prostituta que acaba se relacionando com "Ace". Ambição, por sinal, é a palavra-chave para esses personagens, e cada um, a sua maneira, irá tentar realizar seus desejos.

É preciso destacar, antes de tudo, o ritmo alucinante de "Cassino". As suas quase três horas de duração podem assustar um pouco, mas, bastam os primeiros segundos dos crédito iniciais, para nos envolvermos na história de tal maneira, que é quase impossível desviar a atenção dos mínimos detalhes. E, percebam que Scorsese até, de certa forma, "engana" o espectador, com um início bastante impactante, e, depois, os créditos do filme intercalados com música clássica. Algo bem tranquilo. Porém, quando o filme "começa" de fato, entendemos o porquê o cineasta é tão cultuado no mundo do cinema. O dinamismo de sua câmera, que "desliza" pelos cenários quase como uma cúmplice involuntária, unido aos diálogos e narrações em off dos personagens (narrações, essas, que nunca incomodam, nem expõem mais do que o necessário), finalizando com um trabalho espetacular dos atores, em especial, Robert De Niro, Joe Pesci e Sharon Stoine, todos magníficos.




O roteiro, escrito por Scorsese e pelo escritor da obra original, Nicholas Pileggi, consegue, ser bem estruturado e, ao mesmo acessível, não perdendo tempo com situações sem importância para a trama. Não é exagero dizer que todas as cenas de "Cassino" (TODAS!) são essenciais para a história. Das negociatas dos chefões da máfia, passando pelas torturas cometidas por Nick, à luta de "Ace" para conseguir um alvará de funcionamento do cassino, até a exposição de sua vida pessoal com Ginger, cada momento é precioso, formando um painel trágico de um mundo completamente deteriorado. Chega a ser irônico que o único personagem com o mínimo de ética na história seja justamente "Ace", aquele que comanda um dos mais promissores cassinos de Las Vegas com mão de ferro, mas, até certo ponto, com alguma justiça.  

Se há sequências impactantes no filme? Sim, há, e, interessantemente, envolvendo todos os personagens em situações distintas. A cena em que Nick coloca a cabeça de um homem num torno é de uma brutalidade incrível (porém, não gratuita). Já, no momento em que Ginger está descontrolada, bêbada e drogada, e invade a casa de "Ace" para pegar os seus pertences, é um momento igualmente tenso. E, até mesmo a via crucis de "Ace" para conseguir o seu alvará de funcionamento rende momentos memoráveis na produção, principalmente, quando o personagem esbarra não só na burocracia do Estado, mas, na corrupção totalmente entranha nele. São críticas mordazes ao sistema em todos os seus níveis, mostrando que, quando a pessoa passa a não mais interessante no esquema, e se torna até mesmo um incômodo, ela é descartada de todas as formas. 





De todas as qualidades de "Cassino", a mais visível, sem dúvidas, são as atuações. Mesmo que Robert De Nriro e Joe Pesci repitam praticamente todos os trejeitos dos seus personagens em "Os Bons Companheiros", é sempre um deleite vê-los interagindo mais uma vez, com a energia e naturalidade que são comuns a eles. Agora, quem surpreende é Sharon Stone, num papel que, realmente, dá espaço para ela brilhar. O resultado é bem acima da média, num nível de entrega, que prova que, às vezes, basta um ótimo realizador como Scorsese para exigir do ator o que ele tem de melhor. E, falando em Scorsese, ele está fenomenal como nunca aqui. Sua direção é soberba, não perdendo o "tempo" da história, e fazendo com que a gente se interesse pelo desenrolar dos acontecimentos até o último instante. Só quem tem cacife como ele consegue dominar uma narrativa, às vezes, tão complexa e cheia de informações de uma maneira tão espontânea. Vale chamá-lo de mestre? Creio que sim.

"Cassino", mesmo não sendo tão lembrado na extensa filmografia do diretor como, de fato, merecia é, não só um dos melhores filmes dele, como também é uma das melhores produções sobre a máfia, e, com o perdão da "heresia", rivalizando bem com "O Poderoso Chefão" e com "Os Intocáveis". Elementos para isso não faltam, desde uma direção magistral, que torna a narrativa fluida em longas três horas de duração, até as atuações incríveis de gente de peso. Ao mesmo tampo que é um retrato trágico de um submundo do qual não estamos familiarizados, mas, que, muitas vezes, determinam os principais acontecimentos na sociedade. De maneira minimalista, o filme também se mostra um painel triste sobre o resultado de muitas ambições da vida moderna, como o dinheiro fácil, o status, o glamour. E, que tudo isso esteja inserido numa "produção de máfia", faz de "Cassino" não só um clássico recente da sétima arte, como também um belo estudo sobre a sociedade atual, e no que ela se tornou. 


NOTA: 9/10


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