Dica de Filme

Miss Violence
2013
Direção: Alexandros Avranas


A DEGRADAÇÃO MORAL DA FAMÍLIA TRADICIONAL

Perturbador. Intenso. Nauseante. Revoltante. E, ao mesmo tempo, traça uma crítica completamente certeira à sociedade, e, em especial, à figura do núcleo familiar como um oásis de perfeição e harmonia. Assim é "Miss Violence", pertencente a essa nova safra de filmes gregos um tanto, digamos, "diferentes", cujo principal expoente acabou sendo o péssimo "Dente Canino". Já, "Miss Violence", ao contrário, não é incômodo somente pelo prazer de ser. Nele, há uma inquietante condição que provoca o espectador a se voltar contra quem sofre alguma forma de violência, principalmente, aqueles que estão em situação de vulnerabilidade.




Logo de início, o choque: o que aparenta ser uma festa de aniversário corriqueira, de uma família feliz, acaba virando um pesadelo quando a aniversariante, simplesmente, decide se jogar da sacada do edifício onde mora. Mas, não sem antes quebrar a quarta parede, olhar para a câmera, e sorrir de uma forma um tanto cínica, mas, que demostra um certo desespero dela. O que significa esse sorriso? Então, a família tenta sobreviver como pode depois da tragédia. Ela é formada por um casal de meia idade, junto com sua filha, e seus quatro (e, agora, três) filhos. No entanto, algo de tenebroso paira no ar, é como se a família reagisse à morte da menina de uma maneira demasiadamente fria. Por exemplo, o casal (os avós) da garota se desfazem rapidamente de seus pertences, como que para apagar a sua memória da família.

Ao mesmo tempo, o luto é proibido. Não é permitido chorar, fazendo com que a mãe da menina morta se tranque no banheiro, e caia, rapidamente, aos prantos. Paralelo a isso, vamos o quanto os patriarcas da família são rígidos em sua "educação". Num determinado momento, é avisado a eles que Philippos, um de seus netos, está um pouco agressivo na escola, e o seu castigo é receber tapas no rosto de sua irmã, como uma forma de punição. Em outro instante, o avô, simplesmente, arranca aporta do quarto de uma das netas (a mais velha), sob a justificativa de que "nessa família, ninguém esconde nada de ninguém". Essas sequências são reveladoras, e vão, aos poucos, desnudando aquela família, e expondo o que de tão grave há com ela. E, acreditem: são revelações revoltantes em muitos aspectos, num desconforto que chega a ser mais psicológico do que explícito.




O diretor Alexandro Avranas é hábil ao construir a trama aos poucos, sem pressa, descortinando o horror em doses homeopáticas e até frias. Tão frias que muitos podem questionar a veracidade de que está sendo retratado ali. No entanto, é bom salientar que o tema abordado no filme está mais próximo da nossa realidade do que gostaríamos, e sim, as vítimas disso se tornam frias, mas, não por falta de alguma sentimentalidade, mas, por medo, por estarem destruídas psicologicamente. Portanto, esse é um dos pontos que Avranas que abordar aqui, e o faz muito bem, não se rendendo a moralismos fáceis e seus julgamentos precipitados. Nesse sentido, o roteiro tem uma simbiose muito boa com a direção, desenvolvendo tudo de maneira não convencional, e desafiando, a todo momento, o espectador. O que mais vale aqui é o "não dito", os gestos, os olhares, criando, assim, uma tensão absurda.

No entanto, mesmo bem intencionados ao retratar um problema, infelizmente, corriqueiro em família mundo afora, o filme se presta a um único momento que poderia ter sido evitado, e que apela, desnecessariamente, para o explícito. Aquela altura do campeonato, já sabíamos bem o que se passava no seio daquela família, principalmente, a podridão de seu patriarca, porém, uma cena envolvendo ele, sua neta mais velha, e dois outros homens, poderia ter sido apenas sugerida, de uma maneira melhor arquitetada. Tão sequência não se justifica, principalmente, pelas cenas posteriores, que geram tanta revolta quanto (ou, até mais), e são mais sutis. Já, essa outra parte é um ponto fora da curva do filme, e mesmo que não atrapalhe o contexto da reflexão que a história propõe, fica a impressão de que o filme passaria muito bem sem a necessidade dessa cena. Felizmente, não é uma sequência prolongada, a ponto de parecer mórbida.



As qualidades da produção são bastante acentuadas pelas atuações, todas impecáveis, com destaque para Themis Panou, que faz o repulsivo patriarca da família, e Eleni Roussinou, que interpreta sua filha. E, além disso, como já dito, roteiro e direção casam bem suas intenções, fazendo de "Miss Violence" um filme extremamente violento, sem derramar quase que uma gota de sangue. A violência é psicológica, aquela que está nas entrelinhas, que basta apenas um olhar mais atento para ser identificada. Ao mesmo tempo, a produção é uma provocação arrebatadora à imagem da família tradicional, de onde pensamos que é um reduto de alegrias e felicidades infinitas, mas, que pode esconder segredos aterradores, onde nenhuma justificativa é válida para tentar explicar algo assim. Lembram do início do filme, quando a garota que comete suicídio olha para a câmera e sorri? Trata-se de um sorriso de escárnio. Escárnio contra a nossa passividade, contra a nossa cegueira diante da dor do outro, escárnio, enfim, da nossa indiferença. Muitas vezes, para as vítimas, é só isso o que resta: a ironia de uma vida sem sentido.


NOTA: 8/10


Comentários