DICA DE FILME ("7 Prisioneiros")

 Dica de Filme

Título: 7 Prisioneiros
Ano de lançamento: 2021
Direção: Alexandre Morato

Problema que ainda existe nos dias atuais é retratado de maneira poderosa em filme que analisa não só a estrutura desse problema, como o lado psicológico de seus personagens 

O trabalho escravo (ou, mais especificamente, análogo à escravidão) parece algo distante da nossa realidade, tanto no tempo, quanto no espaço. Geralmente, esse assunto é tratado como uma questão do passado ou mesmo de países distantes do Brasil. Porém, a verdade (e os portais de notícias não nos deixam mentir) é que esse crime continua a ser praticado no país, só que com outra roupagem, e numa estrutura muito mais complexa do que antigamente. 

O excelente filme "7 Prisioneiros" tem a proposta de abordar esse tema espinhoso, mostrando alguns dos meandros que fazem parte da cadeia do trabalho análogo à escravidão no Brasil, mas, tendo a profundidade necessário para desenvolver o lado psicológico (do opressor e do oprimido). A depender das circunstâncias (e da necessidade), é um pode "precisar" seguir por caminhos que sejam de encontro à sua moral para sobreviver em um sistema que lhe esmaga sem dó. 

Além da crítica social óbvia, esse é o cerne de 7 Prisioneiros". 

Um dos grandes méritos do cineasta Alexandre Morato e da roteirista Thayná Mantesso (a história também foi escrita pelo própria Morato) é que eles não apelam para frases de efeito ´para tentar externar algo, nem se contentam em expor e denunciar uma situação criminosa. Na verdade, um dos diferenciais deste filme é o seu estudo de personagem. 

Mateus, por exemplo, é mais do que um dos prisioneiros que vieram à cidade grande em busca de melhores oportunidades. Ao passo que Luca, o algoz, não é só um vilão caricato e mau por natureza. Percebe-se ó empenho dos realizados em não apostar no clichê, na caracterização banal, no senso comum. E isso, numa situação como aquela, é formidável, mesmo que gere momentos de extrema angústia em alguns momentos. 

Na verdade, o filme todo é angustiante, do começo ao final. Até o seu início, com o Mateus no seio familiar, interagindo com sua irmã e sua mãe já são prenúncios de que algo muito ruim está por vir. Mesmo nos momentos mais "tranquilos", o filme é permeado por uma tensão constante, seja pela movimentação inquieta da câmera, seja pelo olhar assustado de muitos personagens. Um trabalho e tanto de direção, que ambiente o espectador como se ele estivesse realmente numa prisão. 

Além disso, "7 Prisioneiros" tem ao seu favor a o poder da síntese. Ou seja, sua narrativa é bastante concisa, não perdendo tempo com nada além do que seja necessário. Mesmo tendo pouco mais de uma hora e meia, ele consegue mostrar uma intrincada rede de aliciamento e prisão de pessoas para trabalho escravo (inclusive, estrangeiros), e com participação de instituições como a polícia, e até mesmo com o aval de políticos. 

O melhor é que mesmo denunciando algo tão grave e que envolve tantos detalhes, o filme nunca cai na armadilha do excesso de didatismo. Ao contrário: cada sequência é resultado orgânico da anterior. Nenhuma ação é forçada, e todos os elementos vão encaixando de maneira natural, possibilitando uma imersão maior naquela situação opressora. 

Porém, o que realmente faz "7 Prisioneiros" ser um dos grandes filmes brasileiros contemporâneos é a sua abordagem psicológica em meio a uma grande problema social, especialmente em relação aos personagens Mateus e Luca, mostrando que nada é tão simples quanto parece. E, mesmo que de forma pincelada, outros personagens têm espaço para questões mais profundas, principalmente quando fica evidente que a falta de conhecimento deixa as pessoas mais à mercê do sistema.

E, é claro que a potência desse filme não estaria completa sem atuações à altura. E é o que temos aqui, principalmente com Rodrigo Santoro interpretando Luca e Christian Malheiros fazendo Mateus. Ambos passam muita verdade em suas performances, na maior partes das vezes, sem precisarem dizer nada. Em questões técnicas, trilha sonora e montagem acompanham muito bem o clima do filme, passando a desesperança que aqueles personagens sentem tão na carne e na alma. 

"7 Prisioneiros" é uma produção bem dura de assistir, ainda mais quando constatamos que o problema que ele retrata não só continua a existir, como também é solenemente ignorado por políticos e autoridades do mais alto escalão, que, inclusive, recusam-se a fazer leis mais duras para coibir crime tão perverso. Um filme condizente com o seu tempo. 

Duro, cruel, triste e com uma baita crítica social. 

Uma das melhores produções nacionais dos últimos tempos, sem dúvida. 

Nota: 9/10