DICA DE FILME ("O Estudante")

Dica de Filme


Título: O Estudante
Ano de lançamento: 2016
Direção: 
Kirill Serebrennikov



Os perigos do fanatismo religioso e de quem corrobora com ele

Muitas vezes, a melhor crítica é o exagero, a elevação do absurdo. Se a razão não ajuda, então, que se faça o deboche, a ironia, o escárnio. E é mais ou menos o que vemos em "O Estudante", drama e comédia russa, que alfineta os fanáticos cristãos, os que são coniventes com esses fanáticos, além de soltar farpas para outros elementos do próprio estado russo (do Comunismo a Stálin). 

Extremamente ácido, o filme, porém, exige um pouco de paciência do espectador. De início, a história soa meio estranha, e parece que não vai levar a lugar nenhum. Vemos o jovem Veniamin se mostrando recluso na escola, e com uma pequena Bíblia a tira colo o tempo todo, e sempre que pode, declamando uma passagem no livro sagrado dos cristãos quando se recusa a fazer algo que vai de encontro aos seus "princípios morais". 

Nesses primeiros minutos, o filme pode até soar um tanto ridículo na proposta, mas, essa é a intenção mesmo. Com o passar do tempo, o fanatismo de Veniamin vai tomando contornos mais complicados, e o pior é que todos os adultos ao seu redor (a mãe, boa parte dos professores e até a diretora do colégio) são coniventes com o seu extremismo cego. Apenas uma se interpõe ao pensamento delirante do rapaz: Elena, não por acaso, uma professora de Biologia.




A história de "O Estudante" lembrou um certo filme aí? Talvez um tal de "Deus Não Está Morto"? Pois é. Não sei se a intenção do cineasta Kirill Serebrennikov foi fazer uma "resposta" ao fanatismo da produção evangélica, mas, é inegável que há similaridades entre ambos, só que com propostas e ideias totalmente opostas, especialmente, se formos comparar com a continuação de "Deus Não Está Morto". 

Bem, certo mesmo é que a produção russa expõe todas as mazelas, hipocrisias e ignorâncias que um religioso sem freio pode produzir, infectando até as pessoas ao seu redor, e que, em tese, deveriam ser mais maduras e lhe impor limites. Chega uma hora que é revoltante ver a condescendência dos adultos com as atitudes de Veniamin. Pode parecer forçado e caricato, mas, se formos pensar na perseguição que os professores andam sofrendo por questões de fanatismo, o filme se torna assustadoramente atual. 

Além disso, "O Estudante", em seus primeiros momentos, entre outras coisas, aborda uma temática bem cara aos religiosos: a relação crença x corpo x sexualidade. Não é à toa que uma das primeiras ações de Veniamin é reclamar que as alunas estão indo de biquíni para as aulas de natação, e que isso seria imoral. Por sinal, nessa primeira meia hora, o filme expõe bastante nudez, como que para falar sobre o medo que os mais fanáticos têm a respeito do corpo, do desejo, dos impulsos. 
 
Isso se torna ainda mais claro na cena em que Veniamin questiona quando Elena quer ensinar seus alunos a importância dos métodos contraceptivos. O que se segue é absurdo e constrangedor, mas, que escancara bem o nível de insanidade que certas ideias carregam. É uma situação que consegue ser cômica e trágica ao mesmo tempo, e o filme faz questão de deixar o espectador muito desconfortável (até, e principalmente, para quem não é religioso). 




Outra questão interessante em "O Estudante" é que ele, mesmo que em breves momentos, não se limita ao fanatismo religioso, mas, a qualquer forma de fanatismo. Em determinadas cenas e falas, ou Stálin é citado explicitamente, ou a figura ditatorial de Putin é apenas sugerida. Mas, está lá, nas entrelinhas, como uma bem vinda crítica em como os extremismos geram pessoas como 
Veniamin, independente do problema ter ou não caráter religioso. 

O filme tem uma pulsão crítica bem forte, com foco principal no extremismo e na conivência a essas atitudes absurdas. Nesse sentido, lembra um pouco outras produções que abordaram essas temáticas, como "A Outra História Americana" e "A Onda", nos quais a falta de limites ao nascimento do fanatismo acabou por provocar tragédias irreversíveis. E, de fato, mesmo que "O Estudante" pareça, no exterior, uma mera caricatura do fanatismo, ele também serve muito bem como um alerta. 

As atuações estão ótimas, especialmente, Pyotr Skvortsov (que faz Veniamin) e Wiktorija Issakowa (que interpreta Elena). Ao mesmo tempo, a direção, na grande parte das vezes, de câmera na mão dá um tom quase documental aquela história de absurdos e excessos, deixando a experiência mais incômoda, e, em alguns momentos, visceral. 


Um dos grandes méritos de "O Estudante" é incomodar geral. Seja que é ateu e prega um estado laico, seja quem é religioso (mais notadamente cristão) e prega a imposição de suas ideias aos demais. E há até o incômodo que ele pode gerar nos isentões, aqueles que consideram bobagem se preocupar com o fanatismo crescente, especialmente, entre os jovens. 

O filme é de 2016, mas, poderia ser de 2021 ou de 1950, tanto faz, já que mostra ser atemporal em suas críticas e provocações. E se incomoda tanto, é porque, infelizmente, há muitos personagens no filme que existem na vida real. Desde o jovem fanático, ao que se contrapõe a ele, e é desacreditado por quem passa pano no extremismo. 


Nota: 9/10











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