DICA DE FILME ("Confissões")

Dica de Filme


Título: Confissões 
Ano de lançamento: 2010
Direção: 
Tetsuya Nakashima


O bullying e a psicopatia juvenil tratados desde suas origens

Há algumas características do cinema oriental de hoje não muito comuns na produção de filmes em outros países. Entre elas, está a predileção de não terem receio em abordar temáticas difíceis e polêmicas, mesmo que, pra isso, o resultado precise ser brutal, indigesto e perturbador. Até um simples subgênero do suspense pode virar o mote perfeito para uma obra abordar assuntos que fazem bastante parte do cotidiano da juventude atual daquelas nações. 

E é o que encontramos em "Confissões". 

Mesmo que na essência, o filme tenha uma classificação bem definida em relação ao seu gênero, ele não se esquiva em tentar fazer uma radiografia do Japão contemporâneo, com crianças e adolescentes cada vez mais insensíveis em relação à vida, e com pais preocupados mais com a carreira corporativa que vão seguir. É o mundo do sucesso a todo custo, cujo preço é a mecanização das emoções. 

Essa provocação do filme fica bem nítida logo no início, quando muitos alunos de uma professora riem enquanto ela relata acontecimentos terríveis. Não à toa, quase todos se comunicam através do celular, com mensagens de deboche e até de desdém. Os poucos que se compadecem com o que está sendo relatado sofrem chacota do restante da turma. 




No entanto, engana-se quem pensa que o filme para por aí. Convenhamos que seria simples e até cômodo apenas expor o diagnóstico de uma juventude alheia a certos valores, mais preocupados com carreira, status, e por aí vai. Porém, o roteiro vai um pouco além, e, através de uma separação narrativa onde somos apresentados às confissões de cada protagonista, vemos que a questão é bem mais complexa e profunda, mais relacionada a questões familiares. 

Essa abordagem mais pé no chão eleva bastante o debate que o filme propõe, já que ele consegue radiografar um pouco das causas. Muitas histórias ali são significativas e servem como alerta, com assuntos como ausência paterna, superproteção dos pais ou mesmo a pressão que os adultos colocam nas crianças para que elas tenham sucesso, estudem sem parar, e façam a roda do país girar. Mas, a que custo? É o que o filme provoca em muitos momentos. 

Algumas partes são perturbadoras, especialmente quando vemos a deterioração de uma juventude por dentro. Crianças, no final das contas, que poderiam ser mais responsabilizadas pelos seus atos, mas, que também seria preciso reeducar pais e adultos em geral (ou, por que não?, pensar em um sistema mais humanizado, e menos frio e calculista). 

Nesse sentido, o filme não apela para o simplismo, apontando necessariamente um único culpado, ou demonizando a tecnologia e o progresso. A abordagem aqui está mais para analisar alguns das origens dessa insensibilidade crescente, que, na "melhor" das hipóteses, geram bullyings constantes (e na pior, muitos massacres em escolas que vemos de vez em quando nos noticiários). 




A busca por reconhecimento e status é abordada de maneira bem interessante no roteiro, desdobrando-se para algo mais intimista (mais precisamente, para a questão materna). Além disso, a todo o momento, TV's e celulares presentes no filme exibem artistas populares e noticiários onde alguns anônimos têm seus minutos de fama, mesmo que ela venha na base de algo terrível. É construção da ideia de que o sucesso pode ser alcançado por quaisquer meios. 

Outro aspecto que a história aborda é o valor da vida em um mundo mais mecanizado, onde a fama é cobiçada a todo instante. É uma temática que permeia o filme do início ao fim, apresentando vários cenas simbólicas que representam bem o desdém de uma geração a certos valores, mas, não por culpa única e exclusiva dela. O longa chama todos para o debate, e não se furta em esfregar na cara do espectador o resultado dessa cadeia desumanizadora. 

É verdade que, como quase sempre acontece nas produções orientais desse gênero, o final capengue um pouco por soar um tanto exagerado, mesmo que o desfecho tenha, sim, bastante impacto. Contudo, essa parte final tira um pouco do brilho do filme, dada a abordagem mais crua e pé no hão que vinha tendo. Não é um desfecho ruim, mas, um final mais apropriado teria deixado tudo mais arrebatador. 




Ainda assim, "Confissões" é um baita filme, que retrata muito bem certos aspectos sociais que muitos estão deixando de lado há um bom tempo, e cujo preço será bem alto. Ou melhor: já está sendo, visto que estamos numa geração, onde a insensibilidade e a desumanização reinam, e na qual problemas como depressão são constantes. Muito mais do que mostrar a violência como resultado, "Confissões" se ancora no alerta enquanto causa. 


Nota: 8/10



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