Dica de filme ("Doutor Estranho 2: No Multiverso da Loucura")

Dica de Filme


Título: Doutor Estranho 2: No Multiverso da Loucura
Ano de lançamento: 2022
Direção: Sam Raimi



Terror da Marvel acerta em cheio na criativa direção de Sam Raimi, mas, erra bastante em um roteiro repleto de conveniências


Não dá pra negar que há certa limitação no subgênero de super-heróis no cinema, especialmente quando se trata da indústria hollywoodiana capitaneada pelas corporações Marvel/Disney e DC/Warner. Há pontos fora da curva, claro, como os recentes "Coringa" e "O Esquadrão Suicida". Mas, no geral, existe a obrigatoriedade de seguir fórmulas muito certinhas para não espantar o público-alvo. 

Por essa razão, não deixa de ser um alívio que este "Doutor Estranho 2: No Multiverso da Loucura" tenha a cara e a coragem do seu realizador, o Sam Raimi, que conseguiu fazer um dos filmes mais inventivos da Marvel, visualmente falando, mesmo que, em algumas situações, apoie-se demais na própria iconografia do cineasta (há cenas aqui idênticas a filmes anteriores do diretor, como, por exemplo, o fundamental "A Morte do Demônio"). 

Só que, infelizmente, nem sempre tanta inventividade visual salva um roteiro pífio, contraditório e até meio datado em relação à sua proposta. E este é o caso desse filme. Não se trata de eastereggs ou fanservices. Neste longa, esses elementos são até interessantes e muito bem vindos. Não é isso. Mas, a trama que faz a história andar é cheia de conveniências, e, refletindo um pouco após o término do filme, não faz tanto sentido. O roteiro não é tão ruim quanto o recente "Homem Aranha: Sem Volta para Casa", mas, ainda assim, possui os mesmos defeitos. 




A começar pela vilã da história. Sim, a Feiticeira Escarlate, cujo "nascimento" mesmo vimos na série "Wandavision". Mesmo que soe muito "anos 80" esse artifício de uma personagem feminina que antes era uma heroína (ou que se comportou como tal) enlouquecer e começar a tocar o terror, isso passa. Vamos em frente. Só que, ao mesmo tempo, esse "enlouquecimento" da Wanda não parece fazer tanta lógica, pelo menos, no desenvolvimento dessa história (ou melhor: da falta de desenvolvimento). 

Por que a obsessão com filhos que, no universo dela, nunca existiram, com ela podendo ter também fixação em recuperar o Visão (personagem que, este sim, existiu de verdade no mundo dela)? Trata-se apenas de surto psicótico, de insanidade ou ela está sendo manipulada? E, se foi manipulada, por que foi tão facilmente convencida de que o que fazia era errado? 

Essas são todas perguntas que ficam no ar, e que precisavam de um desenvolvimento melhor, até para comprarmos melhor a ideia do porquê ela está fazendo aquilo.

A título de comparação, Thanos e Killmonger são dois personagens vilanescos excepcionais, e justamente porque compreendemos bem as suas motivações. Podemos não concordar, claro, mas, entendemos o ponto de vida deles. No entanto, com a Feiticeira Escarlate não tem isso. Ela acaba sendo reduzida a uma personagem que passou por um trauma, torna-se vilanesca, e depois, muito rapidamente, tem a sua redenção. É muito raso para alguém que se mostrou tão cheia de camadas na série "Wandavision". Isso reduz a Feiticeira Escarlate, ao invés de engrandecê-la.  




Outro problema é a personagem America. Na verdade, o que pesa aqui é tanto o roteiro (com relações mal desenvolvidas dela com o Doutor Estranho), quanto a própria atriz (Xochitl Gomez está inexpressiva e sem carisma). E, novamente, o roteiro parece ter toda a pressa do mundo: em um piscar de olhos, America já tem uma amizade sólida com o protagonista do filme, e pronto. É isso. 

Em suma, o roteiro acaba sendo um amontoado de situações que seriam até bem interessantes, mas, se fossem melhor trabalhadas. Se o filme tivesse, pelo menos, mais uns 30 minutos, ajudaria bastante. 

Mas, apesar das incontáveis conveniências e pressas no roteiro, é inegável também que o filme tem destaques muito positivos. As viagens visuais que Sam Raimi proporciona aqui são muito boas (a luta com as notas musicais é excelente), e algumas até chegam a ser bem assustadoras (ao menos, para o padrão Marvel, claro). Inclusive, talvez seja o máximo que um filme atual do estúdio chegue perto em termos de violência e gore, além de possuir cenas que são genuinamente macabras. Ou seja, um bom filme de terror das antigas, digamos assim. 

Além disso, tirando a inexpressiva Xochitl Gomez, o restante do elenco está muito bom, com destaque para Benedict Cumberbatch, Elizabeth Olsen e Rachel McAdams. Mesmo com um roteiro um tanto frouxo, todos eles entregam performances muito convincentes, e também prendem o nosso interesse pela história. A própria direção de Raimi ajuda os atores a se destacarem, colocando um certo senso de urgência na trama, mesmo que essa mesma trama não construa melhor certas situações. 




No final, temos mais um filme de quadrinhos divertido, com uma assinatura autoral bem forte, e que tira leite de pedra de um roteiro bem chinfrim. Ele está na mesma seara que "Aquaman", por exemplo. Se não fosse graças a seus respectivos diretores (no caso de "Aquaman", James Wan), ambos os filmes teriam sido produções bem medíocres e facilmente esquecíveis. Contudo, graças à autoralidade de Wan e Raimi, ao menos, esses longas se tornaram mais divertidos do que poderiam ter sido, Mas, ainda assim, convenhamos: um roteiro melhor escrito continua sendo bem vindo. 

Divertido, empolgante e assustador, mas, que perdeu a chance de ser um pouco mais do que isso. 


Nota: 7,5/10

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