Dica de filme ("Hatching")

 Dica de Filme


Título: Hatching
Ano de lançamento: 2022
Direção: 
Hanna Bergholm


O mundo das aparências e o nosso "eu" mais sombrio

Vez ou outra estão aparecendo nos últimos anos filmes de horror estranhos e bizarros que carregam nas entrelinhas alguns comentários sociais muito pertinentes, seja numa crítica mais aberta a coisas bem específicas, seja reflexões mais intimistas sobre a essência do ser humano. Foi assim com "Hereditário", "O Farol", "Raw", "Lamb" e agora este "Hatching" (que provavelmente será traduzido no Brasil como "Ego"). De todos, "Hatching" parece ser o mais "modesto", mas, não se enganem: ao nos permitirmos imergir nessa fábula sombria, termos muito o que pensar. 

Tudo bem que após alguns minutos, o filme já mostra a que veio, e para alguns a metáfora aqui pode parecer óbvia ou previsível demais. E, sobre certo aspecto, é sim. Afinal, a trama gira em torno de uma pré-adolescente que exterioriza seus sentimentos mais negativos em "algo" aterrador. Mas, nem isso faz o filme perder força. Ao contrário. Quanto mais a trama avança, mais a história proporciona momentos, ao mesmo tempo, bonitos, tristes, bizarros, assustadores e reflexivos. 




O que vale não é só a mensagem (que já é poderosa o suficiente), mas, como ela é mostrada e degustada ao longo da narrativa. E nisso reside um dos grandes méritos de "Hatching": a direção. Este é o primeiro longa-metragem da cineasta finlandesa Hanna Bergholm, mas, antes, ela já havia dirigido curtas e séries de TV. Ou seja, não é inexperiente. Aqui, por exemplo, ela tem ciência de que a metáfora do filme está claríssima, e, por isso, extrai disso um intenso drama familiar que funciona demais. 

Porém, tem mais. 

Unido a esse elemento de conflitos familiares, temos em "Hatching" uma interessante (e ácida) crítica ao mundo perfeito nas redes sociais (ou, como queremos que nossas vidas sejam expostas nesses lugares). Sem apelar para exageros ou algo minimalista demais, a diretora encontra um equilíbrio muito bom para alfinetar o espectador a respeito de uma questão que está cada vez mais em debate: até que ponto nossa vida real é refletida na internet, e como isso afeta nossos comportamentos cotidianos?

O filme em si não se aprofunda demais nisso, mas, o que é mostrado já é o suficiente para refletirmos sobre esse ponto, ao mesmo tempo em que acompanhamos com interesse o desenrolar de uma trama que flerta com o horror e o grotesco, mas, sempre com parcimônia e fazendo total sentido. É como aconteceu com "Lamb", ano passado, por exemplo. São filmes que mostram situações extremamente estranhas, incômodas, porém, acabam se amalgamando a algo mais "normal", construindo uma forte mensagem por trás do bizarro. 




Além disso, as duas principais atrizes do elenco fazem um baita trabalho, dando ainda mais veracidade à mensagem que o filme quer passar. A jovem Siiri Solalinna consegue transmitir todo o sentimento de vulnerabilidade que a sua personagem tem, reprimindo seus sentimentos, e muitas vezes, conversando somente com o olhar, ou com uma expressão facial que diz uma coisa, mas, o que sai da sua boca é completamente outra. Atuação excelente para uma menina tão nova. 

O outro destaque fica para Sophia Heikkilä, que interpreta a mãe da protagonista. Ela, de início, pode parecer forçada, meio histriônica, mas, com o tempo, acostuma-se com o tom da sua atuação, já que o propósito aqui é justamente mostrar essa dualidade entre os sorrisos perfeitos nos stories de um Instagram, enquanto que na vida "aqui fora", a postura é outra. A interpretação dessa atriz tem o seu ápice em "Hatching" já no final, mostrando que, cedo ou tarde, a busca pela aparência de uma vida perfeita demais pode mostrar o nosso pior lado. Outra baita interpretação. 

Os demais atores no filme estão propositalmente apagados, pois, a intenção aqui foi mesmo se focar mais no relacionamento abusivo da mãe com a filha. Por sinal, no filme, apenas as crianças possuem nome. Já os adultos dessa família são creditados apenas como "pai" e "mãe", como se, na história, um título social fosse mais importante do que a individualidade de um nome. E, tudo culmina em um final bastante simbólico (e perfeito para esse tipo de filme). 



"Hatching", portanto, não é mais impactante e maravilhoso exemplar do horror moderno (ele acaba sendo muito simples e modesto pra isso) mas, com o que tem a oferecer, ele assusta, enoja, revolta entristece e faz refletir. Às vezes, tudo na mesma cena. Certamente, uma das mais interessantes experiências cinematográficas de 2022. 



Nota: 8,5/10

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