Dica de filme ("Mommy")

 Dica de Filme


Título: Mommy
Ano de lançamento: 2016
Direção: Xavier Dolan



O estereótipo do "amor de mãe" testado ao limite 

Há toda uma romantização da maternidade na cultura popular. "Ser mãe é padecer no paraíso", diz o antigo e batido ditado que muita gente insiste em repetir. Tem outros, sempre tentando colocar a figura materna como um ser sagrado, puro, sem falhas, e muitas vezes até sem autonomia da própria vida. 

Ou seja, é uma desumanização constante, perversa e cruel, que impossibilita a mulher mãe de ser quem realmente ela é, sempre sujeita a uma idealização impossível de alcançar, e duramente criticada quando apenas mostra que é uma pessoa como outra qualquer. 

O filme "Mommy" expõe essa dureza de uma maneira intensa, sem passar pano pra ninguém, e, dessa forma, é um retrato poderosamente honesto de como o sangue do nosso sangue pode afetar nossas vidas (em todos os sentidos), e que não existe um "manual para vida". Apenas seguimos do jeito que dá.  




Antes mesmo do filme começar, é mostrado um aviso de uma lei fictícia no Canadá que permite o internamento compulsório de adolescentes bem problemáticos. Corta então para os protagonistas deste drama familiar bastante peculiar: Diane e sua filho Steve. Este foi expulso de um reformatório após provocar um incêndio no local. Ambos terão que voltar a morar juntos com todos os seus problemas e dilemas pessoas. 

E é isso. 

Não esperem um drama convencional aqui, e nem uma história de redenção. Há muito carinho e amor aqui, mas, também muita raiva, revolta e frustração. Os personagens não são unilateriais como na maioria dessas histórias. Ora se comportam da forma mais doce e gentil possível, ora sentimos repulsa e criticamos suas atitudes. Ou seja, são personagens fascinantes justamente porque são construídos com muita autenticidade pelo roteiro, muitas vezes, sem filtros. 

O elemento mais equilibrado nessa relação intensa e disfuncional entre mão e filho se dá por meio da vizinha Kyla, e mesmo assim, esta mostra acessos de fúria. Ou seja, "Mommy" acaba sendo um dos melhores tipos de história: aquela que não pretende fazer julgamentos morais rasos aos personagens. Apenas os mostra como são, com todas as suas problemáticas e razões de agirem assim. É incômodo, mas, sob certo aspecto, muito real, muito palpável. 




A câmera do diretor canadense Xavier Dolan é perfeita, passeando pelos cenários com desenvoltura, sempre buscando o ângulo certo, e nos colocando no meio da narrativa mais do que como meros espectadores. Às vezes ouvimos a transpiração dos personagens, bebemos junto com eles, ficamos angustiados com eles, e cantamos e dançamos juntos também. Esse nível de imersão é mais potencializado ainda pelo formato quadrado da tela, o que dá a impressão de opressão a clausura. 

Ao mesmo tempo, não deixa de ser curioso que Xavier Dolan, na condução da narrativa, não tenha receio de ser pop, usando de uma trilha sonora bastante conhecida, sendo a melhor parte justamente aquela que se utiliza de "Wonderwall", do Oasis. Sim, "Mommy" também tem seus momentos descontraídos, mas, nem por isso, deixa de ser tenso, intenso e profundo em sua abordagem de uma complicadíssima relação mãe e filho, cujo desfecho é mais do que incerto. 

Os atores estão espetaculares em seus papeis. Antoine-Olivier Pilon passa todas as nuances de seu personagem Steve, que numa hora é mais doce do que uma criança de 5 anos, e em outra, quer meter uma cadeira na cabeça de alguém. Uma atuação difícil, mas, muito bem feita. Anne Dorval como Diane também passa toda a intensidade que o papel exige, especialmente nos momentos mais dramáticos, ou quando tem que lidar com a violência do filho. E Suzanne Clément que faz Kyla também se sai muito bem, dando camadas à sua personagem que não fazem dela apenas uma vizinha "boazinha". 



"Mommy", portanto, é um retrato triste, e, por vezes, brutal da maternidade, expondo que o ser humano é complexo, independente de laços de sangue ou não. Um filme que, paradoxalmente, também transpirar amor, carinho e gentileza. Como isso é possível? Bem, o ser humano é complexo, não é verdade? Talvez essa seja a chave para entendermos nossas relações como todo. 


Nota: 9/10

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