Documentário Mais ou Menos Recomendável ("Retratos Fantasmas")

 Documentário Mais ou Menos Recomendável


Título: Retratos Fantasmas
Ano de lançamento: 2023
Direção: Kléber Mendonça Filho


Um olhar com pouca profundidade e muita trivialidade 

Em algum momento, muitos artistas sentem uma "necessidade" de homenagearem a arte que fazem (no caso dos cineastas, o cinema, claro). O diretor Kléber Mendomça Filho vem com este "Retratos Fantasmas" tecer comentários sobre sua relação com a sétima arte, com os cinemas de Recife, e com a sua vida pessoal, por assim dizer. Em tese, é uma ótima maneira de resgatar memórias (individuais e coletivas) sobre os mais diversos temas. 

O problema, neste caso, é que "Retratos Fantasmas" tem boa intenção, mas, não cumpre o papel, mesmo que tenha alguns bons momentos, certos insights bacanas, e um personagem da cinefilia recifense que, ao menos, foi bem homenageado aqui (falarei dele mais pra frente). A questão é que o documentário é tão pessoal, mas, tão pessoal, que cabe ao espectador se conectar mais com as imagens de arquivo, em si, do que o que está sendo narrado pelo próprio Kléber Mendonça. 

Por sinal, um ponto de "Retratos Fantasmas" que, particularmente, incomodou foi a narração do diretor, a todo o momento, ou conduzindo o olhar do espectador, ou fazendo ele ter as mesmas conclusões. O problema é que muitas dessas intervenções, especialmente na 2ª e 3ª partes do filme, são bastante óbvias e triviais, tirando um pouco do encanto genuíno de algumas imagens, e deixando a experiência um pouco estranha (e meio chata, digamos). 




Ainda assim, não dá pra dizer que não há bons momentos aqui. A forma como Kléber fala de sua mãe, e como ela fez do apartamento deles uma extensão de suas ideias e inquietações, é uma bonita e interessante homenagem, e, além disso, há bons resgates históricos, como imagens da época de grandes eventos envolvendo cinemas, como o São Luiz e o Trianon, e um merecido destaque ao Seu Alexandre, projecionista do finado Art Palácio. 

E, também há algumas analogias um pouco melhor pensadas pelo roteiro, como, quando compara o destino do Veneza (tomado por pequenos shoppings internos) com a invasão de um corpo alienígena (obviamente, com inspiração nos famosos filmes "Alien", cujos antigos longas da série passaram no no próprio Veneza), ou quando traça pequenas similaridades entre a devoção dos cinéfilos recifenses pela sétima arte com os devotos cristãos, cujas igrejas evangélicas estão tomando os espaço culturais da cidade (inclusive, de alguns cinemas).

Um pena que seja só isso mesmo, porque no restante do tempo, "Retratos Fantasmas" parece que vai dizer algo a mais, tecer uma reflexão um pouco além do óbvio, do trivial, um ponto que talvez passasse mais despercebido pelo espectador, quem sabe... Mas, basicamente são só as imagens e a narração nem um pouco interessante de Kléber. 

Sem comparar tanto (até porque guardadas as devidas proporções), mas, é só pegar os documentários de Werner Herzog dos últimos 20 anos, que têm um artifício parecido com esse novo trabalho do Kléber Mendonça: a narração em off do diretor. A diferença é que Herzog, nessas produções, fala o mínimo necessário, e tenta extrair algo para além das imagens (coisa que Kléber não faz, praticamente se limitando apenas a narrar o que estamos vendo em tela). 




Também não ajuda muito o fato do realizador de "Retratos Fantasmas" se colocar como personagem no filme em alguns momentos, fingindo certas emoções que, claramente, não passam algo genuíno, especialmente, na sequência final, numa "brincadeira" com um motorista de aplicativo que é só sem graça e forçada mesmo, com uma pretensa reflexão sobre a necessidade de ficarmos invisíveis e sermos "fantasmas" nessa cidade em eterna mudança. Mais uma vez: a intenção pode ter sido boa, mas, a realização passou longe disso. 

No geral, "Retratos Fantasmas" é só um documentário razoável, que através de poucos bons momentos de semiótica, fala dos "fantasmas" que habitam o Recife (ou qualquer outra cidade grande), como os anônimos que, querendo ou não, darão lugar para o "progresso" dos shoppings ou a tomada de poder das igrejas, mas, tudo isso (que poderia render bons debates) se dilui na pretensão de Kléber de unir o pessoal e o coletivo em análises bem pouco profundas sobre Recife e sua relação com a arte do cinema e seus mal-assombros. 

Não é terrível como o recente dele, "Bacurau", mas, certamente, está aquém do que parecia que ia explorar. 


Nota: 6/10



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