Dica de Filme ("Pacarrete")

 Dica de Filme


Título: Pacarrete
Ano de lançamento: 2019
Direção: Allan Deberton


O show não pode parar 

Baseado em fatos, "Pacarrete" conta um pouco da trajetória da personagem título, que, excêntrica e peculiar, vive numa cidade pequena no interior do Ceará, sonhando sempre com o tempo em que era mais jovem, e estudava balé e piano. Com uma festa próxima de acontecer, Pacarrete quer porque quer apresentar um espetáculo de dança para a chacota de boa parte dos moradores dali. 

Pra completar, Pacarrete tem gênio forte, é agressiva, às vezes, gosta de insultar, para depois se mostrar bastante amável. Uma personagem, digamos, fascinante, e que tem o componente do amor à arte como seu combustível de vida. Não raro ela diz: "O pessoal daqui não sabe apreciar arte de qualidade". E é nesse mote que acompanharmos esse recorte na vida da personagem. 




À primeira vista, o filme pode parecer só um retrato simples de uma pessoa um tanto excêntrica, um tanto fora da realidade, mas, a beleza da história está em mostrar como Pacarrete, mesmo um tanto hostil e de difícil convivência em alguns momentos, também pode ser uma pessoa doce. E, mais: uma resistência à memória de um passado que está se apagando aos poucos. 

Não é à toa que sua luta pessoal por apresentar um espetáculo de balé na festa da cidade contrasta com um evento que terá shows de forró estilizado. É como se Pacarrete, em seu mundinho particular, recusasse perder o brilho de outrora. Por isso, insiste em sempre assistir antigos balés em fitas cassete ao invés de converter as imagens para DVD. Ao mesmo tempo, a forma como ela fala com as pessoas é quase como se ela se sentisse numa peça de teatro, onde estivesse atuando, sempre numa representação, talvez, de quem ela um dia foi.

Essa luta íntima de Pacarrete entre passado e presente é pontuado por momentos melancólicos, especialmente, quando a personagem se encontra em meio às ruínas de um local isolado da cidade após sofrer um grande baque. É naquelas ruínas que ela é "jogada" por boa parte da cidade, que apenas a consideram uma louca com gostos que já não condizem com os tempos atuais. 

Muito, muito triste. 




Também não é por acaso que o final do filme é retratado como uma espécie de devaneio de Pacarrete. Se a cidade não vê o seu talento e amor pela arte, nós, espectadores, vemos. Somos a sua platéia naquele momento, na sua resistência de ir até o fim pelo o que ela ama.

Marcélia Cartaxo está apaixonante como a personagem, mesmo em seus momentos mais espinhosos. Todo o restante do elenco também está muito bom, especialmente, João Miguel, que faz o vendedor de um mercadinho que talvez seja o único habitante do local que trate Pacarrete com dignidade. E, pra completar, a direção de Allan Deberton é ótima, pontuando a beleza de uma história tão delicada. 


E, é isso. Pacarrete é amor à arte, e à vida, por que não? É a vontade de resistir e entregar alguma beleza em meio à mediocridade, mesmo que isso esbarre nas contradições que o ser humano tem. Mas, é justamente a imperfeição de Pacarrete que a deixa mais bonita. 

Ótimo filme do nosso cinema recente. 


Nota: 8,5/10










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