Dica de Filme

O Casamento de Maria Braun
1979
Direção: Rainer Werner Fassbinder


Por mais que se queira negar, a figura feminina no cinema, com suas honrosas exceções, sempre foi colocada de uma forma distorcida, machista, enfim. Trata-se da velha estória da mocinha que é salva pelo herói de um grande bandido. A personalidade de muitas personagens femininas nos filmes é fraca, limitando-se a ser, às vezes, o alívio cômico de inúmeros enredos. Mas, há aqueles que espantam por mostrarem uma mulher verdadeiramente forte.

Maria Braun está nesse seleto grupo. Em meio à Segunda Guerra, ela se casa com Hermann, por quem nutre um amor, que, apesar do pouco tempo que se conheceram, parece já ser bem consolidado (pelo menos, na cabeça de Maria). Tanto é que, com o desaparecimento dele em combate, ela não desiste de procurá-lo. Atravessa ruínas e mais ruínas, pendurando um cartaz com a foto e o nome de Hermann.



Nesse meio tempo, começamos a vislumbrar o caráter da protagonista, que não se deixa abater por adversidades, muito menos, dobra-se diante de uma sociedade que, mesmo numa guerra, coloca-se como conservadora e castradora. Para se ter uma ideia, a total contragosto de sua mãe, Maria Braun decide ir trabalhar num cabaré, pois, com a difícil situação atual, precisa de dinheiro para sobreviver. O bom disso, é que ela não demonstra arrependimento, nem depressão por causa disso. Sempre tranquila e alegre, ela diz que se é preciso fazer, que seja, e pronto.

A empatia com a personagem principal é impressionante. O roteiro faz questão de não julgá-la em nenhum momento, mesmo quando ela toma atitudes ainda hoje condenadas pelos mais conservadores. Na realidade, Maria Braun não é retratada nem como heroína, nem como vilã; apenas uma pessoa comum, cheia de vida, e que sabe muito bem como funcionam os jogos de poder, principalmente, entre homens e mulheres.



E, até mesmo os personagens masculinos que se sujeitam aos "caprichos" da protagonista têm, de alguma forma, uma personalidade forte. Reconhecem que são apaixonados por ela, e um deles, realmente, mostra-se com um amor genuíno por ela, mas isso não é usado para depreciar os homens, que também são tratados com muita humanidade pela estória. E, essa é uma característica inerente a este filme: o senso aguçado do humano e das necessidades das pessoas em tempos difíceis.

Tudo pontuado por cenas muito bem construídas. Fassbinder faz aqui o que talvez seja o seu melhor filme, tanto em termos ideológicos, quanto em questões técnicas. A música, a (muitas vezes) sinuosa câmera, que traz um panorama interessante de cada cenário, as falas; tudo está, intimamente ligado, e a sensação é de que não falta absolutamente nada nas duas horas do filme. Tudo o que precisou ser contado, da forma como foi, está ali, diante de nossos olhos.



Sendo um recorte peculiar do período pós-guerra, "O Casamento de Maria Braun" nos leva à reflexões que vão desde a necessidade de um relacionamento, de uma companhia, até o senso de liberdade, tão importante, mas também tão pouco exercido em uma sociedade repleta de pudores. "Quando se está triste, a felicidade dos outros parece imoral", diz, num determinado momento, um dos personagens.



Mesmo sendo uma produção com ritmo, e até fácil de assistir, ela também é, proporcionalmente, poderosa na sua mensagem, e acerta em cheio as ideias (pré)concebidas dos espectador. Estáticos, mas maravilhados com Maria Braun, queremos que todos possamos viver como ela, sem amarras, mostrando, desde o início, seus desejos. Uma personagem, enfim, inteligente e audaciosa, ou, simplesmente, fascinante.


Nota: 9/10

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