Dica de Disco

Afrociberdelia
1996
Artista: Chico Science e Nação Zumbi


Eis que o visionário "Afrociberdelia" está completando exatos 20 anos agora em 2016. Segundo disco de Chico e da Nação, ele mostrou, mais ou menos, os rumos que a banda iria traçar dali para frente. Não é segredo pra ninguém que "Da Lama ao Caos", mesmo fazendo relativo sucesso, não agradou o grupo, que queria algo menos "roqueiro", menos "pop", e consequentemente, mais voltado às raízes da banda. Por isso mesmo, chamam um velho amigo para produzir o trabalho: Eduardo BID. E, deu muito certo.

Sem as amarras estéticas ditadas pelo produtor conhecido produtor Liminha, responsável pelo trabalho anterior, a banda pôde, enfim, realizar com vontade e folga sua (ainda hoje) incrível mistura de ritmos populares, como côco, maracatu e caboclinhos, com o que de melhor vinha de fora, do afrobeat do Fela Kuti, às guitarras distorcidas do Sepultura. O resultado é um compêndio de 20 músicas, cada uma com cara própria, mas, que formam um conjunto coeso com a proposta de olhar para nossa cultura, sem abdicar do que é feito de bom ao redor do planeta.


Sim, aos gritos de "Eu vim com a Nação Zumbi, ao seu ouvido falar, quero ver a poeira subir, e muita fumaça no ar", Chico já anunciava com "Mateus Enter" que a banda não estava para brincadeira. A sequência energética com "Cidadão do Mundo" (em ritmo de embolada) e a explosiva "Etnia" continuavam o serviço de mostrar ao ouvinte um som instigante, diferente, "misturado", mas, com identidade. Tudo isso, para sermos interrompidos com a instrumental "Quilombo Groove", com um riff de guitarra assombroso de Lúcio Maia.

"Macô", "Um Passeio no Mundo Livre" e "Samba de Lado" eram perfeitas para serem executadas ao vivo, dada a energia que emanavam. Surge, então, os batuques de um maracatu, e com eles, um dos "hits" do dico: a emblemática "Maracatu Atômico", composta originalmente por Jorge Mautner, e regravada até por Gilberto Gil. Por sinal, o próprio Gil faz uma participação especialíssima em "Macô", o que não era de se estranhar, visto que o cantor e compositor baiano nunca escondeu a admiração que tinha por Chico Science.


"O Encontro de Isaac Asimov com Santos Dumont no Céu" e "Sobremesa" talvez sejam a parte mais fraca do disco, pois, nelas sobram discursos e falta um certo ritmo, um certo carisma. Felizmente, entre elas, está a pesada e ótima "Corpo de Lama". Chegamos, então, a mais um "hit", desta vez, composição própria de Chico Science e banda: o clássico "Manguetown", que praticamente definiu, em música, a cidade do Recife, com seus contrastes, suas festas, suas violências, suas alegrias, sua vida e morte, enfim. "Fui no mangue catar lixo, pegar caranguejo, conversar com urubu!"

"Um Satélite na Cabeça" e a instrumental "Baião Ambiental" são ótimas, mas, na verdade, servem mesmo como preparação para a parte mais pesada do álbum, quase um heavy metal: as fantásticas "Sangue de Bairro" e "Enquanto o Mundo Explode". Depois da catarse, o alento. Ouvimos a tranquilidade com "Interlude Zumbi", e passeamos despreocupados pela cidade com "Criança de Domingo" (incrível versão para uma música do IRA!). As bonitas "Amor de Muito" e a instrumental "Samidarish" deveriam fechar o disco com chave de ouro.


Bem, DEVERIAM, pois, o que temos é a intervenção capenga da gravadora que exigiu que fossem colocadas três remixes fajutos para "Maracatu Atômico". Quanto a isso, a banda não pôde fazer muita coisa. Então, o negócio é deletar da mente essas outras três faixas, e considerar que "Afrociberdelia" tem 20 músicas e pronto. Não mais que isso. 20 canções, inclusive, que levaram o álbum a ser considerado um dos mais importantes da música brasileira de todos os tempos. Podem procurar. Ainda hoje, é fácil encontrarmos ecos dele por aí, em bandas tentando soar igual.

Infelizmente, menos de 1 ano após o lançamento do disco, Chico nos deixou num acidente de carro. O que ele estaria fazendo hoje em termos de música? Não se sabe ao certo. Fato mesmo era que Chico Science sempre se mostrou um artista inquieto. Talvez, ele aprimorasse ainda mais o que ouvimos em "Afrociberdelia", o que, por si, já se mostrava uma enorme evolução musical na época. O que podemos fazer, isso sim, é apreciarmos este disco, hoje e sempre, e que mostra, claramente, como a música brasileira pode ser uma das mais criativas do mundo.

Viva Chico!


Nota: 9/10

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