Dica de Disco

MM3
2016
Artista: Metá Metá


É da banda Metá Metá a estupenda cantora Juçara Marçal, que nos presenteou com o seminal "Encarnado", em 2014. Mas, o grupo, a despeito de sua "estrela", nunca abdicou de uma personalidade própria, Sempre com uma mescla de ritmos, aparentemente díspares, a Metá Metá tem uma discografia bem interessante, para dizer o mínimo. E, eis que, há poucas horas atrás, ela lança, "de surpresa", seu mais novo disco, "MM3", que pode ser baixado gratuitamente no site oficial da banda.

De cara, solta aos ouvidos, uma sonoridade mais pesada, calcada, majoritariamente, por levadas com toques de jazz. Claro, a poderosa voz de Juçara, que aqui flerta bastante com cânticos afros, continua como um dos pontos positivos, mas, também é muito gratificante escutar arranjos bem trabalhados, mas, pouco convencionais, que dão um banho no show de mesmice que assola a música brasileira atual. Muito disso se deve ao saxofonista Thiago França e ao guitarrista e também vocalista Kiko Dinucci. Completam a formação deste disco, as participações especiais do baixista Marcelo Cabral e do baterista Sérgio Machado.



Pra quem conhece Juçara Marçal através de seu dico-solo "Encarnado", rapidamente vai encontrar semelhanças com este trabalho do Metá Metá. As letras possuem uma lógica própria, são poéticas, mas, também com uma visceralidade que chega a ser cortante, brutal. Exemplo? A primeira faixa, "Três Amigos" já dá uma um boa pista: "São três amigos para matar; Mais 12 santos para apedrejar; Um grande amor para sodomizar; É, não deu, não dá." A explosão no refrão confere um gosto a mais nessa canção, que é só a primeira do disco. Em frente.

A segunda música, "Angolême" já começa ditada pelo sax "venenoso" e dançante de Thiago, e que também possui uma letra inspirada: "Manca, pula, para e berra desespero na tela do celular; Vaga pela rua, na penumbra inventa seu amor fora do ar; Tem comida, mas, não come, tem morada, mas, sem chave pra entrar; Vai beijar o chão de pedra, transformada em pedra fria e cinza." A partir daqui, percebemos que um dos diferenciais da banda é justamente o respeito à inteligência do ouvinte, não buscando soluções de fácil digestão para a sua música.


"Imagem do Amor" se inicia até calma, mas, numa reviravolta de ritmo, mostra uma batida tribal muito envolvente, para ir alternando com arranjos simples, mas, competentes, de jazz. "A imagem do amor não é pra qualquer um." O som da Metá Metá também não, como bem comprova a quarta faixa, "Mano Légua", que mesmo com uma estrutura mais "pop", digamos assim, não perde a majestade, e é mais uma música com forte identidade do disco.

"Angolana", ao contrário das canções anteriores, não tem explosão, não inspira raiva ou revolta, ou até mesmo inquietação. É mais minimalista, com uma base mais tradicional, baixo, bateria e guitarra. E, mesmo assim, ainda consegue ser uma boa música. "Corpo Vão", por incrível que pareça, não tem nada de muito especial, se comparada às composições anteriores do disco. Dá, tranquilamente, pra se ouvir, sem grandes restrições, no entanto, acaba sendo uma música "igual" demais aos padrões que e própria banda criou. Não é descartável, porém, poderia ser melhor.


A bela e sofisticada "Osanyin" dissipa a má impressão da canção anterior, mostrando, mais uma vez, que o Metá Metá merecia uma atenção maior, até mesmo no meio mais alternativo. A agradabilíssima "Toque Certeiro" consegue ser, ao mesmo tempo, dançante e etérea. Tem semelhanças com ritmos do Carnaval, como o frevo, por exemplo, e sim (desculpem o trocadilho), é mais uma canção certeira de um disco, praticamente, irretocável. E, tudo se encerra com a sombria "Oba Koso", uma espécie de "resumo" do álbum, que mostra batidas tribais e sax ainda mais em harmonia que nas outras faixas. Ótimo final.

É, a música brasileira atual, mais especificamente, a independente, deve muito a artistas como Juçara Marçal, Thiago França e Kiko Dinucci. De forma seminal, estão mostrando que música pode ser audível, mas, sofisticada, bem trabalhada, e provocativa também. Parecem não estar preocupados em agradar gregos e troianos, produzindo algo desleixado. E, com uma simplicidade que chega a ser constrangedora, vão produzindo discaços em cima de discaços. Palmas para eles.

Site oficial da banda:

Link direto para o download do disco "MM3":


NOTA: 8,5/10

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