Dica de Filme

Gangues de Nova Iorque
2002
Direção: Martin Scorsese


Este filme é superlativo em muitos aspectos. Primeiro, até hoje, mostra-se como uma das obras máximas do mestre Scorsese, ficando ali, só alguns degraus abaixo de "Taxi Driver", "Touro Indomável" e "Os Bons Companheiros" (o que, convenhamos, já seria algo extraordinário). Mas, o cineasta vai além, e nos presenteou com uma história bem forte, interpretada por um elenco primoroso, com uma narrativa de encher os olhos. Dessa safra recente de filmes do diretor, sem dúvida, "Gangues de Nova Iorque" é o melhor.

Pra fazer uma obra assim, Scorsese simplesmente mostrou o que sabia fazer de melhor. Pra começo de conversa, utiliza sua grande "paixão", a cidade de Nova Iorque, para ambientar as várias formas de violência. Só que ele não se limitou a falar de uma máfia recente, indo até os primórdios da região, mostrando aquilo que poderia ter sido a raiz de toda a violência que ainda hoje é marca registrada da cidade. Nisso, vislumbramos o início de verdadeiras gangues rivais, com suas rixas, seus códigos de honra, seus embates nas ruas, seus dribles para subornar e escapar da lei.




É nesse contexto que somos apresentados aos "Nativos" e aos "Coelhos Mortos", grupos que sempre viveram é pé de guerra. E é num desses embates decisivos que o líder dos "Coelhos Mortos" é morto pelo chefe dos "Nativos", Cutting, o Açougueiro. A partir de então, um grupo passa a viver ainda mais na marginalidade, enquanto o outro toma conta do lugar, instituindo até uma data comemorativa em homenagem ao dia em que derrotaram seus adversários. O filho do líder dos "Coelhos Mortos" sobrevive, e, voltando anos depois, busca vingança.

Só os primeiros minutos que apresentam essa pequena parte da história mostram o porquê de Scorsese ser considerado um gênio da sétima arte. Com muito domínio de câmera, ele consegue construir um enredo envolvente e muito brutal ao mesmo tempo. A cena da luta entre as gangues é extremamente bem filmada, com edição e trilha sonora fazendo da sequência uma das melhores dos filmes do diretor. O destaque também fica por conta da dupla de atores que contracenam juntos nesse momento: Daniel Day-Lewis e Liam Neeson.




A partir desse início, o filme vai se concentrar na volta de Amsterdam, após sair de um orfanato, e dos jogos de poder que passam a dominar Nova Iorque cada vez mais, com gangues rivais se matando nas ruas, a polícia fingindo que reprime e os políticos ganhando com isso. Por sinal, esta é uma das produções com maior crítica social de Scorsese, o que chega a ser uma grata novidade, pois, não há nada forçado ou panfletário nesse sentido. Vemos bastante corrupção em tela,  tudo muito revoltante, mas, com especial destaque para os desmandos políticos.

Porém, é grande atrativo da produção é mesmo o conjunto. A narração é tão fruída que nas duas primeiras horas, o espectador praticamente não sente o tempo passar. Após isso, é verdade, o filme tem uns 15 minutos em que a história "trava" um pouco, mas, acaba sendo necessário para a trama, pois, tudo converge para o impressionante embate final. Embate esse que expõe, claramente, que os verdadeiros vilões não são as gangues, e sim, quem está supostamente ao lado da lei. Brilhante conclusão de um brilhante filme.




Não obstante, temos ótimos personagens. Amsterdam, ao mesmo tempo que quer vingança, também se sente atraído em ficar no mundo de Cutting, sendo seu braço direito, ao passo que este se mostra um tremendo antagonista, frio e extremamente violento, cujas ações provocam fascínio e medo em doses iguais. Não é preciso dizer, pois, que Daniel Day-Lewis e Leonardo DiCaprio entregam interpretações excelentes, com especial destaque para o primeiro, numa encarnação completamente insana. O restante do elenco não faz feio, em especial, Cameron Diaz, num de seus melhores papéis.

"Gangues de Nova Iorque" é, em linhas gerais, um atestado. Um atestado de que o cinema pode, quando quer, contar uma boa história, de maneira formidável, com narrativas, diálogos e interpretações incríveis, e ainda ter boas doses de crítica social (que aqui expõe todo o racismo e xenofobia de quem se diz patriota, mas, que não passa de um perfeito ignorante). Com todos esses predicados, não tem como não deixar de louvar Martin Scorsese, e reverenciá-lo como o mestre que é. Simples assim.



NOTA: 9/10

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