Dica de Filme

A Espinha do Diabo
2001
Direção: Guilhermo del Toro


Nem sempre o que é literal, funciona. No cinema, por exemplo, às vezes, um filme de guerra perde fora justamente por apresentar um conflito de maneira muito óbvia. Só que, com "A Espinha do Diabo", o cineasta Guilhermo del Toro aproveitou algumas alegorias (como a dos fantasmas) pra falar de forma bem eficiente sobre a Guerra Civil Espanhola, mais ou mesno como ele fez brilhantemente em "O Labirinto do Fauno". Por sinal, ambas as produções possuem suas similaridades, entre elas, serem protagonizadas por crianças.

A criança em questão aqui é Carlos, órfão, que é levado a uma espécie de orfanato no meio do nada, para se juntar a tantos outros órfãos da guerra. Lá, a adaptação não será fácil, principalmente, por conta de alguns meninos que o perseguem, e de um misterioso fantasma que assombra o lugar. O lugar ainda possui outras peculiaridades, como ter em seu pátio uma enorme bomba que foi jogada ali, mas, não explodiu, e hoje serve como uma espécie de "decoração" do orfanato. Ainda temos outros personagens que transitam na história, como a professora e diretora Carmen, o professor Casares e o funcionário Jacinto, que, vez ou outra, maltrata os meninos.




É com essa gama de personagens que del Toro desenrola a trama, que é cheia de mistérios e conflitos, alguns verossímeis, outros não. E, é aí que reside o grande defeito de "A Espinha do Diabo". Muitas vezes, não entendemos certas atitudes dos protagonistas, que passam a agir diferente após reviravoltas no roteiro. Isso tira um pouco a credibilidade da história (que é muito boa, por sinal), dando a sensação de que algumas ações ali foram colocadas apenas para darem dinamismo à narrativa, deixando a coisa com mais aura de suspense.

Mesmo assim, o roteiro se presta a boas analogias, como da professora Carmem, que, tendo perdido uma de suas pernas durante a guerra, hoje se sustenta numa perna mecânica, e como ela mesmo diz: "ela dói muito, mas, é o que me mantém de pé". A própria guerra é tratada de maneira metafórica em algumas situações, como da bomba no pátio que nunca explode. Um artefato parado à vista de todos, uma ameaça constante, para lembrar os horrores de um conflito absurdo. O próprio nome do filme é uma alegoria, pois, a espinha do diabo se refere a uma má deformação de bebês recém-nascidos, crianças que, segundo essa crença, "nunca deveriam ter nascido".




Sem estragar outras surpresas da história, é bom dizer que esse é um típico filme de del Toro. Ou seja, não esperem que fantasmas ou monstros sejam os grandes vilões da história, carapuça essa que serve sempre aos humanos "normais" e vivos. Onde a verdadeira maldade não está no sobrenatural, no aparentemente grotesco, mas, em carne e osso nas pessoas reais que se encontram ao nosso lado. E, mais uma vez, temos uma obra do diretor que mescla muito bem tristeza, melancolia e brutalidade. Como um alerta, são as crianças que mais sofrem, mas também são elas que apontam caminhos, e que se sobressaem mais que os adultos.

A violência aos pequenos internos do orfanato chega a incomodar tanto quanto vemos em "O Labirinto do Fauno". Mas, jamais essa violência se mostra gratuita, sendo motivo claro de reflexão sobre que mundo estamos deixando para as crianças. A narrativa flui bem, e, mais uma vez, del Toro mostra que é um bom contador de histórias, deixando tudo com a tensão necessária para sabermos o que vai acontecer em seguida. As atuações não chegam a se destacar, mas, também não incomodam. E, a parte técnica é bastante competente, em se tratando de uma produção pequena. A cena da explosão, por exemplo, é muito bem-feita, bem como os econômicos (mas, eficazes) efeitos que mostram o "fantasma" da trama.




Sim, este não é o melhor momento do cineasta, que com certeza, mostraria muito mais qualidade em "O Labirinto do Fauno" e no recente "A Colina Escarlate". Mesmo assim, com certa simplicidade, consegue passar uma grata mensagem anti-guerra, além de uma cativante história envolvendo crianças que, no final das contas, vão precisar conseguir sobreviver num mundo hostil e desolado. Piegas, sim. Um pouco, Mas, emocionante também.

Não à toa, o filme inicia e encerra com as seguintes questões, provando que os verdadeiros fantasmas são nós mesmo que criamos: "O que é um fantasma? Um terrível evento obrigado a repetir-se eternamente? Um instante de dor, talvez. Algo morto que, por um instante, parece vivo. Uma emoção congelada no tempo. Como uma fotografia embaçada. Como um inseto preso no âmbar. O que é, realmente, um fantasma?"


NOTA: 8/10

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