Dica de Filme

Match Point
2005
Direção: Woody Allen


No tênis, "match point" é aquele ponto decisivo, o que encerra um jogo. Já, o cineasta Woody Allen usou essa expressão para compor um filme cheio de significados e nuances, por sinal, num estilo bem diferente do que habitualmente vemos em seus filmes. Primeiramente, esqueça a comédia. Aqui não há um motivo sequer para sorrir, a não ser que seja aquele sorriso amarelo, forçado, nervoso. Também não há, necessariamente, personagens paranoicos na trama; apenas pessoas desiludidas se envolvendo com outras numa "aparência" social de normalidade.

Nesse contexto, temos um tenista profissional, Chris Wilton, que, cansado da carreira, vai dar aulas num clube de elite. É nesse lugar que ele começa a almejar um certo estilo de vida, querendo fazer parte da alta roda da sociedade. Como ele mesmo sempre diz, "o que vale mais para você conseguir as coisas na vida é a sorte, e não a bondade." Acaba conhecendo Tom Hewett, tornado-se seu amigo por conveniência. É então que Chris conhece Chloe, a irmã de Tom, por quem começa a ter um relacionamento. As coisas começam a sair dos eixos quando Chris conhece Nola, a cobiçada namorada de seu amigo. A partir daí, passa a nutrir uma paixão que colocará em risco seus planos de ascensão social.




É bom salientar que para captar algumas das melhores mensagens do filme, seria bom ter uma certa "bagagem", em especial, da obra do escritor russo Fiódor Dostoiévski, mais precisamente, do livro "Crime e Castigo". E, aqui, de fato, Allen está em "casa", pois, sempre foi um grande apreciador da literatura de Dostoiévski. Tanto é que o protagonista aparece lendo dois livros do escritos. Mas, as referências vão além dessa sequência óbvia. O escritor russo tinha um sentido de humanidade muito grande, e repudiava toda e qualquer hipocrisia social. Hipocrisia que está presente em "Match Point" através da família de Tom e Chloe, mais especificamente, da mãe destes, que impõe que eles façam um "bom casamento".

E, como já foi dito, aqui não há comédia. Allen percebeu muito bem que o material que tinha escrito era denso demais para fazer humor, e optou por um drama, o que fez com que, ironicamente, realizasse um de seus melhores filmes. Não faltam, no entanto, as costumeiras reflexões do cineasta sobre a vida, naqueles momentos em que os personagens parecem "parar" a cena para nos dizer algo. Não obstante, todos os personagens passam por alguma forma de conflito. O principal é Chris, que é ambicioso, mas, sente-se infeliz por ter que viver uma vida "comum" de homem casado, com bom emprego. Já, Nola, sua grande paixão, tenta ser atriz, mas, não consegue resultado algum, sendo, obviamente, hostilizada pela sogra, que deseja alguém mais bem estruturado para o filho.




Não se enganem. Nada disso é mostrado de maneira forçada e piegas. Woody Allen não só compôs um texto formidável, como também o conduziu de maneira sóbria, coesa, mas, acima de tudo, envolvente. Belos ares fez a Europa ao baixinho neurótico! Mesmo um inevitável envolvimento entre Chris e Nola não descamba para a baixaria, ou para lugares-comuns. E, com o passar do tempo, tenha certeza: passaremos a ter mais raiva de um, e mais piedade de outro. Por vezes, até mesmo alguns sentimentos irão se confundir. Mas, é proposital para a trata. Afinal, não à toa, Allen é grande admirador de Dostoiévski, e, em linhas gerais, o escritor russo está muito presente na história de encontros e desencontros de "Match Point".

Em determinados momentos, tudo dá a entender que os personagens terão redenção. Mas, será que a merecem? Será que vale a pena arriscar uma vida de conforto em nome de aventuras, em nome de impulsos? Ou será que o problema está na monotonia do cotidiano, que tira nossa vida aos poucos? Até aonde a ambição pode chegar num ambiente assim? Para se atingir objetivos, inocentes precisam pagar? São todas indagações um tanto pesadas, e que mesmo sendo abordadas num drama, Allen consegue, com soberba simplicidade, fazer-se entender, construindo um enredo, em vários aspectos, muito triste.




Falar das atuações num filme de Woody Allen, quase sempre, é chover no molhado. São, na maioria das vezes, acima da média, e aqui não é diferente. Destaque para Jonathan Rhys Meyers, que faz um introspectivo e frio Chris, e Scarlett Johansson, que interpreta uma aventureira e determinada Nola. Porém, todos, sem exceção, entregam atuações muito convincentes e naturais, deixando o filme ainda mais interessante do que já é. E, a trilha sonora também é outro destaque, sendo exclusivamente calcada na ópera, em contrapartida ao costumeiro jazz que geralmente escutamos nas produções de Allen. Uma decisão acertada, já que a intensidade da música clássica combina bem mais com o drama exposto aqui.

O que temos, em suma, é um filme que vai além do mero cinema, com inúmeras possibilidades em outras áreas (a literatura, principalmente), e cuja história é uma das mais tristemente humanas que o diretor já fez. Um longa atípico em sua filmografia, é verdade, porém, que mostra que, pelos menos, na sétima arte, Woody Allen é um mestre, e que, a qualquer momento, pode nos surpreender com tramas muito bem boladas. Uma aula de cinema como poucas.


NOTA: 9/10

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