Dica de Filme

Mediterrâneo
2015
Direção: Jonas Carpignano


Alguns problemas mundiais parecem pontuais, ou até terem tido mais visibilidade recentemente. Um deles é, sem dúvida, o da xenofobia, que vem se agravando muito nos últimos anos, muito por causa dos conflitos armados ocorridos no Oriente Médio, e em especial, na Síria. Isso está ocasionando um verdadeiro êxodo a outros países, principalmente, em nações da Europa. Bom salientar que o custo disso é muito alto, visto que elas, dificilmente conseguem um emprego digno nesses lugares, e ainda precisam enfrentar o preconceito e o ódio da população local.

Em linhas gerais, esse é o pano de fundo de "Mediterrâneo", primeiro longa-metragem do diretor italiano Jonas Carpignano, que faz aqui uma bela estreia. Evitando sentimentalismos ou moralismos desnecessários, o roteiro apresenta personagens muito humanos, daqueles que você se identifica fácil, e que pode, até mesmo, encontrar na rua. E, esse artifício é proposital, já que um dos fatores que gera a xenofobia é, justamente, a não identificação com o outro, que é sempre visto como uma ameaça. Nisso, a figura de Ayiva é foi muito bem construída ao longo do filme.




Num primeiro momento, Ayiva é mostrado de uma maneira um tanto absurda, tentando fazer comércio num lugar, digamos, inóspito: em meio ao deserto, aonde refugiados estão imigrando para a Itália. De início, até censurarmos a atitude mercantilista do personagem, mas, com o passar do enredo, vamos vendo que aquilo, longe de qualquer julgamento moral, não passa de uma necessidade: Ayiva precisa mandar dinheiro para a sua irmã e sua filha pequena, que ficaram em Burkina Faso.

Quem o acompanha nessa jornada é o seu amigo Abas. Sendo mais jovem e impulsivo, este sempre está insatisfeito com a situação dos imigrantes, e acaba, muitas vezes, tomando as piores decisões, colocando em risco não só a sua vida, mas, a de Ayiva. O grande desafio, porém, será a adaptação na Itália. Até segunda ordem, todos eles estão ali de forma irregular, e conseguir um emprego não será das tarefas mais fáceis. E, ainda precisam, como se não bastasse todo o inferno que passaram para chegarem à Europa, enfrentarem o radicalismo da população local, que não os vê com bons olhos.




"Mediterrâneo" segue uma linha tensa do começo até o final. Não há espaço para momentos de paz. Mesmo quando Ayiva consegue se comunicar com sua irmã e com sua filha via chap, esse é um momento sofrido, já que ele não vislumbra nenhuma boa perspectiva na Itália. Por mais que se esforce, ele, e todos os outros, serão sempre os imigrantes, os que vieram para tomar os empregos dos habitantes do país, e isso gera nele tanto um conflito interno, quanto externo. E, toda essa tensão vai gerar muita violência, inclusive, provocada pelos próprios imigrantes, que, revoltados com a sua situação, saem em protesto pelas ruas.

O filme expõe um retrato bem forte dessa situação, não se prendendo a soluções fáceis. Em determinado momento, as atitudes inconsequentes de alguns dos imigrantes podem parecer absurdas, e até serem classificadas como "furo de roteiro" da produção. Mas, olhando de maneira mais atenta, acabam sendo até ações "normais" de quem teve tudo de mais precioso retirado, inclusive, a sua dignidade de ser humano. A solução encontrada pode ser a mais "burra" possível, mas, não é desprovida de verdade para quem já não tem nada a perder, ou não vê futuro algum.




Para ser o seu primeiro trabalho num longa-metragem (e, numa produção de grande porte), o cineasta Carpignano se sai muito bem no equilíbrio de diversos conflitos, construindo uma narrativa envolvente que não cansa em nenhum momento, e que traz um assunto bastante pertinente para ser debatido. As locações, principalmente, do início do filme, dão um tom necessário de documentário, fazendo que que o espectador "viaje" com os imigrantes, e tenha, minimamente, aquela sensação de se arriscar numa travessia perigosa em nome de uma melhor condição de vida. E, para dar mais veracidade a isso, os atores estão ótimos, em especial, Koudous Seihon e Alassane Sy, que interpretam Ayiva e Abas, respectivamente.

Ao final, ficamos com uma sensação de "incerteza". Afinal, o risco de estar numa terra estrangeira aonde, na maioria das vezes, você não é bem-vindo, é alto. Um drama humano que, infelizmente, parece está longe do fim. Ao menos, pessoas como os realizadores de "Mediterrâneo" tiveram a sensibilidade necessária para tentarem estabelecer um diálogo a respeito desse problema através do cinema, um dos poucos veículos atuais que ainda possui alguma forma de espírito transformador e transgressor. 


NOTA: 8,5/10


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