Dica de Disco

Água Batizada
2016
Artista: Negro Leo


Pra se apreciar certas formas de arte, às vezes, é preciso "bagagem", algum conhecimento prévio, principalmente, das influência que levaram tal artista a conceber uma determinada obra. Por exemplo: escutar esse "Água Batizada", mais novo disco do cantor e compositor maranhense Negro Leo, é viajar no tempo, mais especificamente, na época da Tropicália. Escutá-lo é como jogar um jogo de identificar as referência, que vão desde Mutantes até Tom Zé, passando por Secos e Molhados. Enfim, a nata do período.

É um trabalho aonde a psicodelia reina. E, mesmo assim, Negro Leo, que além de cantar e compor, ainda toca violino, consegue uma incrível unidade, como se esse tipo de som tivesse sido feito especialmente pra ele. Pra quem duvida, basta conferir a introdução progressiva da primeira faixa, "Ritos Confiáveis", para depois ouvir Negro Leo interpretar num tom semelhante ao de Arnaldo Batista. O rapaz sabe das coisa, e, de cara, já conquista o ouvinte com sua viagem sonora, que ainda vai revelar boas surpresas pelo caminho, tipo uma road trip das boas.



E, pra quem acha que o álbum já começa bem, passa a ter essa certeza com a segunda música do disco, "Fera Mastigada", que parece ter saído diretamente de "Transa", melhor trabalho de Caetano Veloso. A bela "I Have no Light That Shines Inside Without You" remete a outra ótima referência: o álbum "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band". Nela, ficamos quase com a impressão de que o tempo parou no final dos anos 60, e que os Fab Four de Liverpool continuam na atividade.

Mesmo com um início muito bem conduzido, o ponto auto do disco vem na quarta faixa, "Cênico, Provável, Cosmético". E, o que essa lembra? Entre outras tantas coisas boas, não pude deixar de pensar no Terço, o "Pink Floyd brasileiro". As guitarras um pouco mais pesadas dão mesmo essa impressão, dando a nítida noção que, mesmo pra pouca idade, Negro Leo, já se mostra um criativo alquimista, amalgamando as melhores influências que pode numa estética bem particular.

Para conhecer um pouco de Negro Leo:

"Atalhos" é praticamente uma repetição do que já ouvimos até aqui do disco, e não acrescenta muito ao trabalho. Já, "Noite Invertida", ao emular os momentos mais tribais de Gilberto Gil, possui um carisma que é brasileiríssimo, mas, sem soar fake. Nacionalismo é isso aí! "Black Around the Clock" é mais uma brincadeira com o estilo roqueiro (como o próprio nome já denota) do que qualquer outra coisa. Bem sacada, mas, apenas isso. A curtíssima "Um Sentimento", que volta a lembrar Gil, serve como preparação para a climática "Noite", que remete um pouco às música mais lentas dos Mutantes, e mesmo bem intencionada na referência, é a mais chata do disco.

Contudo, depois de alguns (poucos) momentos sonolentos, a coisa volta a melhorar muito com o swing de "Marcha Para Longe", que é quase um ritual, uma mantra de invocação. Ironicamente, temos uma canção aqui que se caracteriza por não ser tão retrô assim: "Esferas". Essa, ao contrário é a que mais se parece com a produção independente atual, cuja letra vale mais do que o som em si. E, o disco se encerra com a ótima (e, tropicalista até a medula) "Borboletinhas Multicoloridas" e a curta (e, introspectiva) "Outro Sentimento".

Para conhecer mais ainda de Negro Leo:

Conclusão? Um trabalho satisfatório, sem dúvida. Tem alguns momentos um tanto modorrentos, é verdade, mas, a atitude de Negro Leo em compor um disco com tantas influências, e ainda parecer um trabalho só seu, já é digna de nota nesses tempos onde a mesmice impera na música. Agora, é torcer para que ele continue nesse bem aventureiro caminho, e possa nos presentear com mais viagens saudosistas, a um tempo em que a música ainda tinha muita relevância.

Site oficial:
https://negroleo.bandcamp.com/


NOTA: 8/10

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