Dica de Filme

As Montanhas se Separam
2015
Direção: Jia Zhang-Ke


A olhos vistos, o cinema atual vem perdendo a sutileza, a capacidade de dizer as mínimas coisas nas entrelinhas. Muitos culpam a tecnologia, que acaba super expondo demais as situações, ou então o público, que vem ficando cada vez menos exigente e sem condições de interpretar a metáfora mais simples. Talvez até mesmo a culpa seja de ambas essas situações, e mais um pouco. Porém, à vezes, surge na sétima arte aquele tipo de filme que força o espectador a uma reflexão mais profunda, que verse tanto com o individual, quanto com o coletivo. "As Montanhas se Separam" está inserido nesse grupo.

À primeira vista, aparenta ser aquele tipo de produção calcada em encontros e desencontros de pessoas ao longo da vida. Mas, só parece. Ao longo da projeção, porém, vamos nos deparando com dramas bem intimistas, cujo pano de fundo são as mudanças sócio-culturais que a sociedade anda vivendo, principalmente, de uns 15 anos pra cá. Tradições milenares vão dando lugar à tecnologia, e esta, consequentemente, tenta preencher alguma espécie de vazio existencial presente em cada um. Também somos confrontados com os contrastes de classes, dos muito ricos até os muito pobres, e tudo já pré-determinado, como se ainda vivêssemos numa sociedade de castas.




E, justamente, o que poderia ser um filme bastante expositivo e panfletário quanto a essas questões, acaba sendo uma produção delicada, bonita até, que dialoga a respeito desses assuntos, só que sem deixar de lado a história. E, também aí já entra um outro problema da geração cinéfila atual, que é a falta de paciência para absorver um enredo desses e conseguir abstrair suas nuances. Isso porque "As Montanhas se Separam" possui um ritmo muito lento, o que talvez desagrade a uma boa parte do público, acostumado a edições rápidas de videoclipe, tudo sem tempo para pensar.

E, nesses encontros e desencontros da trama, vamos conhecendo o que aparenta ser uma disputa de dois rapazes pelo amor de uma jovem, ambos de classes sociais bem diferentes, o que será primordial, no final das contas, para a escolha dela. Lembrando que, nessa parte da trama, estamos no ano de 1999, prestes a ingressarmos num novo século, basicamente com a esperança presente na consciência coletiva de que dias melhores e mais prósperos virão. É, então, que avançamos 14 anos no tempos, mais precisamente, em 2014, para comprovarmos que nada mudou; a gritante diferença entre classes sociais continua, e até mais acentuada.




Os personagens principais do filme permanecem em sua jornada, ano após ano, sem se darem conta do que estão fazendo, de fato, da sua vida. Um deles, em determinado momento, questiona: "Na China, eu não podia ter armas. Mas, aqui, na Austrália, tenho todas as armas que quiser, mas, não tenho em que atirar. A liberdade é uma farsa, uma ilusão!" E, esse sentimento de que tudo não passa de uma mentira não é aliviado nem sequer com status social. Ao contrário, parece que, quanto mais posses materiais, mais se é infeliz. 

A última parte do filme reserva uma visão do futuro, mais precisamente, em 2025, quando a tecnologia está bastante avançada, mas, as relações humanas estão defasadas. Tanto é que a relação entre uma professora e seu aluno parece ser a coisa mais transgressora e libertadora a se fazer. Um envolvimento que tenta quebrar com paradigmas, culminando na sensação de ser livre que tanto u dos personagens buscou, sempre em meio a inúmeras regras e normas. Ao final, até o simples ato de dançar parece ser totalmente revolucionário, remetendo ao tempo em que se sonhou por dias melhores. Um ciclo que se reinicia.




"As Montanhas se Separam" não é um filme habitual, com uma mensagem clara e redonda, precisando de uma certa dose de paciência de quem assiste para poder absorver todas as suas nuances. Claro, não é um exercício simples de fazer, principalmente, num cinema atual tão raso e dado a interpretações pífias. Mas, é um esforço válido. Depois de pouco mais de duas horas, fica-se com aquele pensamento incessante, mas, sereno, sobre a condição da sociedade nos dias de hoje, que se presta a tanta futilidade e banalidade, porém, esquece de coisas verdadeiramente importantes. Que outro filme nos últimos meses poderia suscitar tal reflexão?


NOTA: 8/10

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