Dica de Documentário

Precisamos Falar do Assédio
2016
Direção: Paula Sacchetta


AS VEIAS ABERTAS DE UM PROBLEMA QUE INSISTIMOS EM IGNORAR

Poucas mulheres se propõem a falar do assédio. Umas, porque ainda não perceberam o quanto ele é nocivo numa sociedade machista. Outras, não falam por medo, já que a mulher que se levanta contra esse tipo de violência, logo é estigmatizada da pior forma ("mal comida", "mal amada", "feminazi"..). Já, os homens é que não falam mesmo sobre o assédio. Na posição de "machos", muitos acham que têm direito sobre o corpo da mulheres, e que uma "cantada", por mais desrespeitosa que seja, é, na verdade, um "elogio". Então, cabe a elas se resignarem e aceitarem caladas, e a eles é dado todo o direito a possuir a mulher que desejar (em todos os aspectos).




O documentário "Precisamos Falar do Assédio" é, portanto, a resposta a uma grave demanda: a das mulheres que precisam, ao menos, desabafarem a violência que sofreram, seja física ou psicológica. A estrutura do filme é simples, mas, eficiente: as mulheres que vão dar seus depoimentos são colocadas isoladas dentro de uma van, com apenas uma câmera de frente para elas, aonde pode relatar os seus casos de assédio. As que se sentem confortáveis em expô o que passaram, mostram o rosto. Já, aquelas que não se sentem à vontade por motivos óbvios, podem esconder-se por detrás de máscaras, vozes distorcidas, ou, simplesmente, na sombra. Foram, ao todo, 140 mulheres que passaram pelo projeto, com idades entre 15 e 84 anos, de várias classes socais. O documentário, no entanto, possui apenas 26 desses 140 relatos. E, são declarações que, de fato, impressionam.

Infelizmente, um aspecto que parece estar longe de mudar é o do estupro de crianças e adolescentes pelos próprios pais. São casos estarrecedores de homens que abusaram de suas filhas, que desmentiram tudo para suas famílias, e que, por fim, traumatizaram pra sempre muitas mulheres, hoje em dia, adultas. Há um relato, por exemplo, em que uma mulher foi violentada dos 5 aos 11 anos de idade, quando foi expulsa de casa. A revolta do olhar dela é nítido, e, muito provavelmente, e intenção dela mostrar o rosto foi o de confrontar a família que não a apoiou naquele momento. Já, em outro caso absurdo, uma delas fala sobre o tio, que tinha por "hábito" passar a mão em todas as mulheres da família, com todos sabendo, e ficando omissos quanto a isso.




A gama de relatos é tão grande que aborda até a questão LGBT. Num determinado relato, uma mulher que andava no metrô quase foi violentada por ser lésbica, com o agressor dizendo claramente: "Agora, você vai saber o que é um homem de verdade!" Detalhe que nesse caso, haviam dois policiais que viram o ocorrido, e nada fizeram. Em outro momento, uma menina, também lésbica, conta como foi estuprada por um desconhecido, e que até hoje, não sabe quem é. Bom frisar que, em todos os relatos, nota-se uma constante: a omissão das autoridades. Numa fala de uma mulher, ela conta como foi abusada por um pai de santo, e como sofreu chacota e humilhação quando foi prestar queixa tanto numa delegacia comum, quanto numa especializada para as mulheres. Outra constante que se observa nas falas delas é o abuso da vítima enquanto ela está vulnerável (bêbada, por exemplo). E, os agressores, claro, negando que isso se trata do mais puro e perverso estupro.

"Precisamos Falar do Assédio" é um dos documentários mais importantes que surgiram no país nesses últimos tempos. Composto apenas pelas falas de quem, geralmente, não têm vez e voz, ele cumpre o seu papel de questionar uma sociedade machista, que acha que a mulher está sempre disponível aos desejos masculinos, seja em qualquer idade, seja em qualquer situação. Pra quem tem o mínimo de humanidade, é doloroso ouvir tantos relatos de abusos, mas, ao mesmo tempo, as protagonistas do documentário tiveram como desabafar, com certeza, tirando um pouco do peso de suas costas, e contribuindo, com isso, para uma consciência coletiva. Quem sabe, um dia, não precisemos falar mais sobre o assédio...

Site: https://precisamosfalardoassedio.com/#projeto (aqui, além dos todos os 140 depoimentos que, inicialmente, foram filmados para o documentário, há espaço para que cada mulher possa, individualmente, mandar o seu relato sobre o tema)..


NOTA: 8/10

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