Dica de Disco

Secos e Molhados
1973
Artista: Secos e Molhados


Poucas são as obras que podem, tranquilamente, figurarem tanto no quesito da qualidade, quanto no da importância. Foram produtos relevantes à sua época, que trouxeram algo de novo, e mesmo assim, resistiram ao tempo, e vistos hoje em dia continuam sendo bem apreciados.

O primeiro disco do Secos e Molhados, banda que tornou Ney Matogrosso conhecido, é uma dessas obras. Historicamente, teve sua importância. Quando lançado, o campeão de vendas eram ninguém menos que Roberto Carlos. Já o álbum de estréia do grupo teve mais de 1 milhão de cópias comercializadas em apenas alguns meses (muito mais do que o "Rei do ieieiê" durante um ano inteiro!).

Ainda temos uma das melhores capas de disco lançados por um artista brasileiro. Com suas cabeça servidas nas bandejas, era como se estivessem dizendo que não tinham medo de arriscar novos caminhos musicais. E, arriscaram, diga-se de passagem.


O som, uma mistura até então pouco feita entre rock, MPB e música latina, parecia um caldeirão, onde cada elemento se encaixava como se tivessem sido feitos um para o outro. Some-se a tudo isso a voz marcante de Ney Matogrosso e a performance visual da banda.

"Sangue Latino" é a música que inicia o disco. Um belo início, inclusive. Uma das melhores canções do trabalho, marcante na carreira da banda. Sua letra evoca o sofrimento do povo latino, e foi uma tentativa de unir um certo engajamento com algo que pudesse ser popular. Conseguiram.


"O Vira" é uma música alegre e bem-humorada que trata de assuntos pitorescos do nosso folclore. Rapidamente, tornou-se um dos maiores sucessos do grupo. "O Patrão Nosso de Cada Dia" vai por um viés mais crítico. O compositor dela, João Ricardo, fez referência à oração do Pai-Nosso no título, e a letra, que fala da relação patrão-empregado, é a mais direta possível: "Eu vivo preso à sua senha, sou enganado."

"Primavera nos Dentes" tem uma letra simples, mas acaba se destacando pela sua sonoridade quase progressiva. Já, "Assim Assado" possui referências indiretas à Ditadura (o tal Guarda Belo mencionado na canção), e contém uma das melhores toadas do disco, com sons que vão do puro rockao nosso folclore. Outras que merecem destaque são "Rosa de Hiroshima", numa clara menção à Segunda Guerra, e a hipnótica "Prece Cósmica".


Segundo o jornalista Felipe Tadeu, "o grupo conseguiu com o seu álbum inicial restaurar a liberdade estética e comportamental no Brasil depois do fim do Tropicalismo, num acinte contra a carranca dos verdugos que ocuparam Brasília e ditaram vetos moralizantes, torturando gente, insuflando a barbárie."

De fato, o que temos aqui é atitude em diversos pontos. Sem proferirem discursos diretos ou inflamados, o Secos e Molhados foi um tapa sem mão em todo o sistema, até mesmo porque tirou (mesmo que temporariamente) Roberto Carlos das paradas de sucesso (um notório omisso quanto ao que estava acontecendo no Brasil).

Unido a tudo isso, vemos uma música com apuro e qualidade. Então, meus caros, deu no que deu: um clássico, que ainda hoje é lembrado com um dos melhores álbuns lançados por aqui. Dizer que é básico na coleção de qualquer um seria pouco.


NOTA: 10/10

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