Lista

10 PEQUENOS GRANDES LIVROS


Tamanho não é documento, principalmente, quando se fala em literatura. Não é raro encontrarmos as melhores obras de grandes autores em seus menores livros; aqueles que, aparentemente, são descompromissados em sua proposta, mas, que acabam reunindo, de forma brilhante, todo o pensamento do escritor em poucas palavras e páginas. Muitos estão longe de serem leituras simples, possuindo uma enorme reflexão do ser humano. Algo, enfim, que só pode ser atribuído aos grandes gênios das palavras.


10°
"Fup"
Ano de lançamento: 1983.
Autor: Jim Dodge.
Não se enganem com relação ao enredo, teoricamente, infantil (um velho fazendeiro e seu neto adotam uma pata como animal de estimação). Logo de início, a linguagem é rústica e cheia de palavrões, a cargo do Vovô Jake, o velho fazendeiro. Em tom de fábula, mas, com situações adultas e complexas, e um realismo fantástico fascinante, o livro é de uma incrível sensibilidade, de tom crítico, e até melancólico e triste. Uma pequena obra-prima a ser conhecida imediatamente.  

Trecho:
"Estava sonhando com as adoráveis irmãs gêmeas se aconchegando no seu corpo quando a lua cheia se ergueu sobre o rio, ofuscante e limpa. Ouviu um choro abafado, uma criança no outro quarto, anos atrás, e aí ouviu seu nome sussurrado, talvez Miúdo tentando acordá-lo, ou uma das belas filhas do cacique murmurando seu nome no sono. Escutou atentamente na escuridão, uma concentração que parecia tirá-lo de si mesmo em uma suspensão vazia. Escutou o próprio coração parar de bater, o último encher de pulmões deixá-lo em um silêncio luminoso. Esperou, totalmente quieto. Escutou seu choro suave retornar em sua carne, desvanecendo-se em direção à lua. E então um sussurro de asas enquanto era erguido."


"O Apanhador no Campo de Centeio"
Ano de Lançamento: 1951.
Autor: J. D. Salinger.
Infelizmente, este livro é mais lembrado devido a uma tragédia: Mark Chapman o carregava debaixo do braço quando assassinou John Lennon. Mesmo com a repercussão negativa diante desse fato, a obra ganhou status de cult ao longo dos anos, principalmente, entre os mais jovens, que, rapidamente, identificaram-se com o anti-herói do romance, Holden Caulfield. Muito bem escrito e com uma estória intensa, tornou-se ícone da rebelião adolescente por gerações até os dias de hoje.

Trecho:
"Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que os meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se contasse qualquer coisa íntima sobre eles. São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que eles sejam ruins - não é isso que estou dizendo - mas são sensíveis pra burro. E, afinal de contas, não vou contar toda a droga da minha autobiografia sem nada."


"Um Copo de Cólera"
Ano de lançamento: 1978.
Autor: Raduan Nassar.
Na realidade, a obra máxima de Nassar foi escrita em 1970, mas, só liberada para lançamento 8 anos depois. Não é pra menos: o livro é de uma brutalidade narrativa que pode deixar o leitor mais desatento completamente atordoado. Com apenas três capítulos, e uma escrita corrida, quase sem pontuação, acompanhamos o fluxo de pensamento do personagem principal, após a desarmonia com sua companheira devido a uma bobagem qualquer, culminando num "esporro" que questiona até mesmo a condição humana em todos os seus níveis. Soberbo.

Trecho:
"(...) fui repassando sozinho na cabeça as coisas todas que fazíamos, de como ela vibrava com os trejeitos iniciais da minha boca e o brilho que eu forjava nos meus olhos, onde eu fazia aflorar o que existia em mim de mais torpe e sórdido, sabendo que ela arrebatada pelo meu avesso haveria sempre de gritar 'é este canalha que eu amo', e repassei na cabeça esse outro lance trivial do nosso jogo, preâmbulo contudo de insuspeitadas tramas posteriores, e tão necessário como fazer avançar de começo um simples peão sobre o tabuleiro, e em que eu, fechando minha mão na sua, arrumava-lhe os dedos, imprimindo-lhes coragem, conduzindo-os sob meu comando aos cabelos do meu peito, até que eles, a exemplo dos meus próprios dedos debaixo do lençol, desenvolvessem por si só uma primorosa atividade clandestina, ou então, em etapa adiantada, depois de criteriosamente vasculhados nossos pêlos, caroços e tantos cheiros (...)"


7° 
"A Queda"
Ano de Lançamento: 1956.
Autor: Albert Camus.
Mais conhecido por obras fundamentais, como "O Mito de Sísifo", o escritor argelino Camus, inspirado em "Notas do Subterrâneo", de Dostoiévski, publica este petardo em forma de livro, que viria a ser o seu último lançado em vida. Composto por uma série de monólogos do auto-intitulado "juiz penitente" Jean-Baptiste Clamence, "A queda" é uma profunda reflexão sobre o ser humano, principalmente, dos seus defeitos (que é o que, de fato, nos fazem humanos, no final das contas).

Trecho:
"Que importa, afinal? As mentiras não conduzem finalmente ao caminho da verdade? E minhas histórias, verdadeiras ou falsas, não tendem todas ao mesmo fim, não têm o mesmo sentido? Que importa, então, que sejam verdadeiras ou falsas, se, em ...ambos os casos, são representativas do que fui e do que sou? Pode-se, às vezes, ver com mais clareza em quem mente do que em quem fala a verdade. A verdade, como a luz, cega. A mentira, ao contrário, é um belo crepúsculo, que valoriza cada objeto".


"A Metamorfose"
Ano de lançamento: 1915.
Autor: Franz Kafka.
O enredo desta novela se tornou mundialmente conhecido, tornando-se quase algo popular. Como não ter ouvido, pelo menos uma vez na vida, a respeito do drama de Gregor Samsa, transformado num inseto asqueroso, e repudiado pelos familiares e a toda a sociedade, que passam a considerá-lo um monstro? Possui o que talvez seja um dos melhores inícios de de livro de todos os tempos, e, ao longo da obra, vamos presenciando o absurdo das pessoas não se importarem com a condição de Gregor, mas, na sua inutilidade para o convívio social em seu atual estado. Desconcertante.

Trecho:
"Era uma maçã; a segunda passou voando logo em seguida por ele; Gregor ficou paralisado de susto; continuar correndo era inútil, pois o pai tinha decidido bombardeá-lo. Da fruteira em cima do bufê ele havia enchido os bolsos de maçãs e, por enquanto sem mirar direito, as atirava uma a uma. As pequenas maçãs vermelhas rolavam como que eletrizadas pelo chão e batiam umas nas outras. Uma maçã atirada sem força raspou as costas de Gregor mas escorregou sem causar danos. Uma que logo se seguiu, pelo contrário, literalmente penetrou nas costas dele; Gregor quis continuar se arrastando, como se a dor surpreendente e inacreditável pudesse passar com a mudança de lugar; mas ele se sentia como se estivesse pregado no chão e esticou o corpo numa total confusão de todos os sentidos."


"A Revolução dos Bichos"
Ano de lançamento: 1945.
Autor: George Orwell.
Hoje em dia, falar de distopia é fácil, virou quase moda. Mas, há algumas décadas atrás, não teve quem não se chocasse que esta fábula, à primeira vista, inocente, mas, que continha um dura crítica aos regimes ditatoriais. Não à toa, os algozes da fazenda eram representados como porcos, e algumas analogias, como o de mudar constantemente o passado para que todos esquecem do que aconteceu, e passem a acreditar numa mentira, é fenomenal. Um livro, até hoje, inspirador.

Trecho:
"Então, camaradas, qual é a natureza desta nossa vida? Enfrentemos a realidade: nossa vida é miserável, trabalhosa e curta. Nascemos, recebemos o mínimo alimento necessário para continuar respirando, e os que podem trabalhar são exigidos até a última parcela de suas forças; no instante em que nossa utilidade acaba, trucidam-nos com hedionda crueldade. Nenhum animal, na Inglaterra, sabe o que é felicidade ou lazer, após completar um ano de vida. Nenhum animal, na Inglaterra, é livre. A vida do animal é feita de miséria e escravidão: essa é a verdade, nua e crua. Será isso, apenas, a ordem natural das coisas? Será esta nossa terra tão pobre que não ofereça condições de vida decente aos seus habitantes? Não, camaradas, mil vezes não!"


"Morte e Vida Severina"
Ano de lançamento: 1955.
Autor: João Cabral de Melo Neto.
Um único poema. "Morte e Vida Severina" é composto de um único poema dramático. Vindo da mente de uma pessoa com a grandeza de Melo Neto, suas estrofes, rimas, e parábolas sobre a dura vida de um retirante sertanejo, correram o mundo, e praticamente tudo em termos de adaptação já se fez com a obra; de teatro a desenho animado. Um texto poderoso, que com o passar do tempo, torna-se muitíssimo atual.

Trecho:
"... E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."


"Bartleby, o Escriturário (Uma História de Wall Street)"
Ano de lançamento: 1853.
Autor: Herman Melville.
Para sempre lembrado como o eterno escritor de "Moby Dick", Melville conseguiu compor esta preciosidade, construindo um personagem fascinante: Bartleby. Completamente avesso a tudo o que ele não está com vontade de fazer, o "herói" da trama quase leva à loucura o chefe da empresa onde trabalha, e nos ensina lições valiosas sobre as convenções e obrigatoriedades sociais que temos que cumprir todos os dias (mesmo sem querer).

Trecho:
"É tão verdadeiro e ao mesmo tempo tão terrível o fato de que, ao vermos ou presenciarmos a miséria, os nossos melhores sentimentos são despertados até um certo ponto; mas, em certos casos especiais, não passam disso. Erram os que afirmam que é devido apenas ao egoísmo inerente ao coração humano. Na verdade, provém de uma certa impotência em remediar um mal excessivo e orgânico. Para uma pessoa sensível, a piedade é quase sempre uma dor. Quando afinal percebe que tal piedade não significa um socorro eficaz, o bom senso compele a alma a desvencilhar-se dela."


"A Morte de Ivan Ilitch"
Ano de lançamento: 1886.
Autor: Leon Tolstói.
Reza a lenda de que Tolstói só voltou a escrever após receber uma carta de seu amigo Turguêniev, que estava prestes a morrer. Verdade ou não, o que se sabe, de certeza, é que este livro chega a superar as monumentais obras do escritor russo, como "Guerra e Paz", justamente, por apostar na simplicidade de uma estória de um homem que reflete sua vida no leito de morte (provavelmente, uma homenagem a Turguêniev). Intenso e extremamente belo, mostra porque, muitas vezes, Tolstói era considerado quase uma força da natureza.

Trecho:
"No decorrer de todo o percurso, ele reexaminava tudo o que dissera o médico, esforçando-se para traduzir para uma linguagem simples todos aqueles termos cientificos confusos e ler neles uma resposta ao seguinte: estou muito mal ou, por enquanto, não é grave? Tinha a impressão de que o sentido das palavras do médico era que estava muito doente. Nas ruas, tudo lhe pareceu triste. Estavam tristes os cocheiros, as casas, os transeuntes, as vendas. E essa dor, uma dor surda, abafada, que não cessava um segundo sequer, parecia receber, em consequência das palavras imprecisas do médico, um significado novo, mais sério. Ivan Ilitch prestava agora atenção a ela com um sentimento penoso diferente."


"Notas do Subterrâneo"
Ano de lançamento: 1864.
Autor: Fiódor Dostoiévski.
É considerado o primeiro livro puramente existencialista da história. Também é um soco no estômago. Poucos ficam imunes à desconcertante sinceridade do narrador (o alter ego de Dostoiévski), que, pouco a pouco, vai nos puxando para o subsolo do desamparo, da angústia, da inquietude. Refletindo em gênero e grau a alma atordoada do escritor, o livro é essencial para acordar qualquer pessoa perante a vida e suas incongruências. Simplesmente, seminal.

Trecho:
"(...) deixa-te levar por teu impulso cegamente, ou seja, sem raciocinar e sem procurar uma causa primária; espantando a consciência, ainda que só durante esse instante; tentas odiar o amar, só para não estares de braços cruzados e sem fazeres nada. Passados dois dias, como muito, começarás a desprezar-te por ter enganado a ti mesmo."


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