Dica de Disco

Destemida
2016
Artista: Bande Dessinée


Falar que uma banda hoje em dia é pop virou quase uma ofensa. Não que não tivéssemos ótimos representantes da música popular no Brasil em outras épocas (de Luiz Gonzada, passando por Raul Seixas, até Secos e Molhados, chegando num Novos Baianos), mas, é que a qualidade do pop atual está tão lá embaixo, que é tarefa hercúlea achar algo que preste nesse gênero. Por isso, este disco da Bande Dessinée é reconfortante: tem músicas pra cantar junto, e ainda assim, é um trabalho bem elaborado, descendo redondo.

Tudo chega a ser muito simples no som do grupo aqui. As letras vão na mesma pegada. E, apesar disso, funciona (e, muito). Claro que contribuiu o fato de ter havido mudanças na formação da banda: saíram o baixista Bruno Vitorino e o tecladista André Sette, permitindo assim que o tecladista Ed Staudinger contribuísse mais nas composições, ao lado do guitarrista Barro. O resultado é uma bem-vinda mescla de ritmos e texturas, muitas vezes dançantes e melódicas, mas, que não apelam para soluções fáceis. Pop com conteúdo.


Isso tudo é facilmente perceptível na ótima trinca que abre o disco. Primeiro, temos a canção que dá título ao trabalho, que, ao lado de uma letra esperta ("Eu vou pra rua, saio destemida, de mim não abro mão") é um agradável cartão de visitas. "Satisfaz" tem corpo e alma de Jorge Ben, e de outros grandes nomes do samba rock. A Letra ("Levo vida assim, nesse leva e traz, beijo sem amor não me satisfaz") é mais um óbvio, porém, eficiente recado de que a temática que vai permear o álbum é o empoderamento feminino. E, o melhor: com um discurso bastante consistente, de auto-estima para a mulher.

A terceira faixa, "Perdizes", é o que toda banda de tecno-brega deveria fazer caso tivessem conteúdo. Sim, o som é pra dançar em festinhas, bailes e outros inferninhos, mas, ao mesmo tempo, o arranjo é super bem feito. Ah, e a letra é mais um desdém a quem quiser enquadrar as mulheres em qualquer rótulo: "Sou santa, sou solta na vida, sou diva de mim". No entanto, chega a canção seguinte ("Pé na Estrada"), e com ela, o primeiro bola fora do álbum. Não é ruim, mas, no contexto das músicas anteriores, é bem menos trabalhada e pouco inspirada.


Não tem problema, pois, temos agora, a melhor composição do disco, "Sossega o Coração", que começa com um pequeno som de violinos, para começarmos a ouvir o guitarrista Barro num timbre de voz que lembra muito Lenine. A melodia é linda, e a letra é muito poética: "Dava pra ver o céu, o mar e a noite se acender, dava pra ir, a luz no olho e o rosto a reluzir." A futurista "Brise" remonta às canções "francesas" da banda, com clima e ritmo adequados . Música mais introspectiva, mas, agradável.

"Isabelle" é o "soul" da Bande Dessinée. E, é nela que vemos a diferença do grupo para outros artistas alternativos querendo, mais ou menos, fazer o mesmo som, como Céu e Johnny Hooker: aqui, o som é mais orgânico, mais natural, mais desavergonhadamente pop. Pronto. A próxima música, "Estelita", tem novamente a participação de Barro nos vocais. O ritmo cadenciado funciona que é uma beleza; parece até que dá pra vislumbrar aqueles shows descompromissados e undergrounds de um tranquilo final de tarde de sábado.


"Arrefecer" acaba sendo o segundo bola fora do álbum. Excessivamente minimalista, acaba quebrando muito o ritmo do trabalho. A letra, claramente exige uma melodia pouco inspirada. E, o disco se encerra com a boa "Todo Canto é Mar". Mesmo tendo coisas bem melhores aqui, a canção proporciona um desfecho dançante, contagiante e carismático. Outro defeito que o trabalho possui é a postura vocal da cantora Clarice Mendes. Não chega a incomodar, mas, a voz um pouco infantil dela causa certa estranheza (algo facilmente passável com sucessivas audições, diga-se).

No final das contas, estamos diante de um disco pop, e dos bons. Arranjos bem construídos e letras interessantes tornam tudo acessível, sem faltar qualidade. E, sim, podemos dizer que é um álbum, em essência, feminista pela temática que encontramos aqui e acolá; até mais feminista do que o fake "Selvática", da mais fake ainda Karina Buhr. Em tempos de tantas coisas esquecíveis e descartáveis, ouvir "Destemida" é um bálsamo para dançar e pensar (não, necessariamente, nessa ordem).

Site oficial da banda: www.bandedessinee.com.br


NOTA: 8/10

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