Dica de Filme

Ken Park
2002
Direção: Larry Clark e Ed Lachman


Desconstruir a família tradicional e outros dogmas sociais tem feito muito bem ao cinema. De cara, lembramos do clássico moderno "Beleza Americana". Mas, existem aqueles filmes mais underground que conseguem se tão bons quanto, e até mais naturais ao exporem os miseráveis dramas humanos. "Ken Park" é uma dessas bem-sucedidas empreitadas. E, como era de se supor, causou polêmica na época de seu lançamento, apenas por conta de uma cena explícita de sexo oral. Evidentemente, o filme tem bem mais a oferecer do que isso, e toda a celeuma hipócrita quanto à tal cena se mostrou vazia no final das contas.

O Ken Park do título se trata, na verdade, de um garoto, que logo no início da produção, comete suicídio na frente de vários conhecidos seus. Mas, como iremos perceber, isso acaba não sendo o principal da trama, e sim, quem gira em torno de Ken Park. Para isso, acompanhamos o cotidiano de alguns jovens, cada um com seus problemas, cada um com seus próprios demônios a resolver. Tem desde o garoto que é hostilizado pelo pai por "parecer gay demais", até uma menina que é criada pelo pai religioso de maneira bastante castradora.




Todos têm uma história para contar, todos possuem seus dramas particulares. E, todos, sem exceção, acabam, no final das contas, passando uma coerência maior do que os adultos que estão ao seu lado. Exemplo disso são os pais de um desses jovens que ficam criticando o estilo de vida do filho, desconfiados até que ele está se drogando, mas, falam isso enquanto bebem cerveja e fumam no sofá da sala assistindo a um desses programas populares apelativos. O questionamento chega a ser simples: os pais possuem um estilo de vida tão melhor assim do que o filho, ou estão todos afundados num mar de mediocridade em suas vidas?

A desconstrução dos valores tradicionais prossegue muito bem ao longo do filme, que emprega até forma formas sutis de passar sua mensagem. Tipo: alguns dos fracassados que vemos nas telas vivem com um discurso conservador de que "o mais forte vence", entre outras coisas, inclusive, mostrando mostrando quartos cheios de troféus que alguns personagens ganharam em competições, mas, que agora, não passam de enfeites vazios para salientar que esse discurso de vencedor deles não passa, em primeira instância, de hipocrisia.




Curioso é que "Ken Park" é produzido pelo mesmo Larry Clark que fez o também polêmico "Kids". Curioso porque, ao contrário do que se possa imaginar, este trabalho aqui não é tão indigesto quanto sua produção anterior, o que mostra que ele descartou a apelação pela apelação, e teceu uma história mais consistente. Porém, o problema de "Ken Park" é que ele aborda assuntos dos mais interessantes, e que dariam margem para muitos "socos no estômago" do espectador, mas, o que temos aqui, incrivelmente, é um filme até tímido, que não aprofunda, de maneira ousada, o que começou a dizer.

Não que isso tire os méritos da produção, afinal, mostrar o que "Ken Park" mostra, em tempos do "politicamente correto" e da volta de um certo tradicionalismo, é bastante pertinente. Temos aqui bons temas para debate, desde o vazio existencial de uma juventude que não encontra sentido num mundo de adultos patéticos, até a pura negligência dos pais e responsáveis para com esses jovens, não importando se essa negligência vem de um alcoólatra depravado, ou de um conservador religioso que leva suas crenças até às últimas consequências.





Mesmo que tais temas, ainda assim, não tenham sido explorados de forma mais contundente, a direção de Clark, que comanda a produção ao lado de Ed Lauchman, flui muito bem, fazendo o filme ficar coeso, mesmo expondo diversas histórias, sob diversos pontos de vista distintos. O Final, explícito e até belamente lírico destoa um pouco do resto do filme, mas, não chega a ser um incômodo. Fazendo um trabalho bem melhor do que "Kids", no entanto, Larry Clark provou que pode esfregar na cara do espectador umas boas e velhas mazelas sociais. Basta ser mais cru e ousado, mas, sem perder a ternura deste "Ken Park".


Nota: 8/10

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