Curta não Recomendável

Eletrodoméstica
2005
Direção: Kléber Mendonça Filho


Não basta você ter uma grande ideia nas mãos, é preciso saber como executá-la de maneira satisfatória. Caso contrário, a premissa ficará apenas na promessa de ter entrega algo verdadeiramente marcante. Este curta de Kléber Mendonça é um bom exemplo disso. A princípio, temos, a partir do título, um trocadilho interessante com o termo eletrodoméstico (o aparelho, a máquina), aonde é mudado para eletrodomésticA, o que pode denotar, de cara, que se trata de uma crítica à mecanização das pessoas, cada vez mais parecidas com os objetos que usa no dia a dia.

Porém, o curta já começa de forma péssima, situando o espectador nos bairros do Recife, mas, alongando-se demais nessas cenas, pontuadas por uma péssima música da banda Paulo Francis vai pro Céu ("Eu Queria Morar em Bervelly Hills"), que apela mais para as notórias gracinhas, pra fazer os pseudocults rirem mesmo, do que para fazer refletir ou algo do tipo. Corta pra personagem principal fumando na sacada de sua janela, e mais uma vez, Kléber Mendonça demonstra não ter o mínimo time para filmar qualquer tipo de cena.



Quando "Eletrodoméstica", enfim, "começa", somos apresentados a uma família, aparentemente típica das grandes cidades, uma mãe e seus dos filhos pequenos, e ela se desdobrando para fazer as tarefas domésticas, tudo cronometrado. O problema é que o jogo de câmeras, ora lento demais, ora rápido demais, não confere naturalidade às ações, e tudo parece ser fake, demais, fabricado demais. A partir do momento em que há falta de energia, e os eletrodomésticos param, a protagonista também para seu cronômetro, e aí, pensamos: "É isso aí, o roteiro teve o insight da ideia principal, pois, estamos tão mecanizados, que só 'funcionamos' quando as nossas máquinas funcionam."

Mas, aí, o que era pra ser uma crítica mordaz e certeira, vira algo sem nexo. A partir desse momento, existiriam inúmeras possibilidades para a narrativa, como a protagonista, literalmente, "parar" após a falta de energia. Mas, o que temos são situações um tanto inverossímeis, e que deixam tudo muito pasteurizado. Um homem, por exemplo, ir pedir água num conjunto de apartamentos, e só a protagonista se prontificar a fazer isso, soa forçado demais, bem como os diálogos entre eles. Fica, realmente, a sensação de possibilidades perdidas ante uma premissa realmente boa.



É, então, que os eletrodomésticos voltam a funcionar, e, consequentemente, o cronômetro da personagem. Tudo volta ao "normal", mas, ainda reside o pensamento de que muitas coisas estão faltando na narrativa. Chegamos ao final com uma cena que pretende ser uma catarse (fora da mecanização do dia a dia, tentamos buscar alguma forma de prazer), mas, fica mais como uma sequência pretensamente ousada, mas, que não consegue, ainda, passar o que a premissa propõe. Caso as ideias tivessem sido melhor trabalhadas ao longo do curta, esse final teria sido, sim, condizente com o conjunto. Do jeito que foi filmado, ficou algo deslocado. Bom ressaltar com os atores também não parecem estar à vontade em seus papéis, o que torna tudo ainda menos plausível aos nossos olhos.

É triste ver uma ideia inicial tão boa sendo desperdiçada assim. Sem tantos maneirismos (câmeras contemplativas e cortes sem muita função na narrativa) e uma coragem maior de criticar a nossa inércia cotidiana através de situações mais críveis, teríamos aqui um interessante panorama da sociedade brasileira atual. Pra quem ainda quiser ver uma crítica realmente boa nesse aspecto, tendo como base mulheres domésticas, cabe indicar o ótimo "Domésticas", de Fernando Meirelles e "Que Horas Ela Volta?", da Anna Muylaert, esses, sim, fazendo um panorama sem filtros de uma sociedade caótica e mesquinha, e com real ousadia de falar o que tem que ser dito. Da parte de Kléber Mendonça, ele ainda está nos devendo algo, realmente, marcante.


NOTA: 3/10

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