Dica de Filme

Mãe só Há Uma
2016
Direção: Anna Muylaert


Muitas vezes, o que o cinema nacional precisa são de histórias simples bem contadas. Sem clichês relacionados à favela, ao sertão ou à Ditadura Militar, e sem arroubos pseudocults de quem coloca mil e uma referências em seus filmes (da Nouvelle Vouge à Fellinni), mas, de sem nenhuma substância. A diretora Anna Muylaert está num seleto grupo de realizadores que se preocupam, apenas, em contarem um bom enredo de maneira correta. O que vier além disso, acaba sendo lucro, como foi o caso de "Que Horas Ela Volta?", filme anterior da cineasta, que falou a respeito de assuntos muito pertinentes para a época atual (a exploração das empregadas domésticas e a mesquinharia latente da nossa classe média). Sem dúvida, foi a melhor produção nacional de 2015.

Neste "Mãe só Há Uma", no entanto, temos um tema que não é tão facilmente identificável, sendo algo um pouco mais intimista: a luta por uma identidade. Baseada livremente numa história real ocorrida no Brasil há alguns anos, a trama tem como foco Pierre, um rapaz introspectivo, mas, de personalidade forte, que vê sua vida desmoronar quando descobre que sua mãe adotiva o sequestrou ainda muito novo. Nisso, seus pais biológicos aparecem, e tentam integrá-lo aos seus padrões de vida, deixando Pierre cada vez mais revoltado, e sentido que, definitivamente, não faz parte daquele mundo que agora precisa viver.




De cara, o que se percebe aqui, é a urgência com que a história é contada. E, isto não é, necessariamente, ruim, pois, dá um bom dinamismo ao enredo, e sua curta duração (82 minutos) só ajuda. No entanto, alguns momentos parecem ter ficado apressados demais, como a prisão da mãe adotiva de Pierre, e o aparecimento da família biológica de sua irmã, assim como ele, também sequestrada da maternidade. Apesar de um tanto "jogadas", tais sequências, incrivelmente, acabam funcionando, devido à naturalidade com que Muylaert dirige tais cenas, sem nada de muito arrojado, mas, mostrando o necessário, e apenas isso.

Pierre também é um personagem que divide opiniões, simplesmente, porque ele não tem carisma. Ele é retratado, isso sim, como um adolescente normal, às vezes, chato, às vezes, doce, que se revolta com facilidade, e está com os seus hormônios à flor da pele. Ou seja, é alguém que, facilmente, podemos encontrar na vida real, sem retoques, muito menos, forçação de barra. Por isso, em linhas gerais, o desenvolvimento do personagem é adequado e bastante crível. E, ainda há a questão da sua homossexualidade, que também é tratada de maneira natural, e nem um pouco caricata, e mesmo que não seja, aparentemente, levantada nenhuma bandeira, só o fato desse assunto ser tratado dessa forma, já é um grande avanço.




Até por ter tido, relativamente, pouco tempo para a realização deste longa, Anna Muylaert imprimiu um tom quase documental em muitos momentos, mas, sem deixar o lado humano de lado. As sequências em que os pais biológicos da irmã de Pierre vem buscá-la e da briga entre este e seus pais num campo de boliche são muito tocantes e envolventes, sem exageros de nenhuma espécie. O que fica claro é que Pierre, independente de julgamentos, não consegue se adequar aos padrões moralistas de sua nova família, que vê no jeito um tanto "excêntrico" de seu novo membro uma vergonha no ciclo social em que vivem. Tais conflitos são, iguais a outras tantas partes, bem construídas, passando, de forma clara, a mensagem que se quer.

A trilha sonora, quando aparece, é ótima, principalmente, pelo fato de Pierre fazer parte de uma banda de garagem, e, por isso, a música, com certeza, faz parte da vida do personagem. Já, as atuações não estão um primor, mas, podemos dizer que são competentes. O talentoso Naomi Nero entrega um Pierre cheio de nuances sem muito esforço, enquanto o resto do elenco também faz interpretações sólidas, com firmeza, a exemplo de Matheus Nachtergaele, que sempre se destaca, até nos seus "piores" momentos. E, por fim, temos uma edição simples e seca, condizente com a proposta do filme, não sendo nada marcante, mas, contribuindo para o resultado como um todo.




A expectativa do próximo trabalho de Anna Muylaert pós-"Que Horas Ela Volta?" foi enorme, e "Mãe só Há Uma" talvez fruste quem esperava críticas mais contundentes da nossa sociedade. Provavelmente, se a cineasta tivesse esperado um pouco mais, certamente, teríamos uma produção bem melhor. No entanto, mesmo com os seus defeitos, decorrentes, em grande parte, da pressa de sua diretora, este é um filme interessante, e nem um pouco descartável. Passa sua mensagem dignamente, e acaba servindo como um "aperitivo" do que esperar dos próximos projetos de Muylaert. Basta, apenas, que ela tenha um pouco mais de paciência.


NOTA: 7/10

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