Dica de Filme

Born to be Blue
2015
Direção: Robert Budreau


Cinebiografias são sempre um terreno muito nebuloso. Ou, elas são esquemáticas, e, por isso, pouco interessantes (a não ser para os fãs do biografado, ou elas são mais ou menos arrojadas em sua proposta, tirando o gênero do lugar comum. "Born to be Blue", baseada na vida e obra do grande trompetista Chet Baker, consegue fluir pelas qualidades de ambas as vertentes. Mesmo não investindo no óbvio, consegue retratar momentos importantes da vida de Baker de uma maneira competente, mas, sem soar tão clichê.

Muito contribuiu a forma como o filme começa, em preto e branco, mostrando um pequeno recorte da vida de Baker, para depois descobrirmos que aquelas sequências estavam sendo encenadas para um filme sobre a vida dele, e a produção passa a mostrar os "momentos reais" em cores. Um artifício muito bom, visto que, ao longo do filme, ele voltará a ser utilizado, mas, para compor as lembranças do trompetista, que passou boa parte da vida lutando contra o vício da heroína. É quando conhece Jane, uma atriz que estava participando de seu filme, e os dos passam a ter um romance, o que faz com Baker fique "limpo" por algum tempo.




Mas, como o próprio título da produção deixa a entender ("Nascido pra ser Triste"), Baker sempre se via às voltas com suas inquietações, com as pressões sociais, com o desdém dos pais, e com a "obrigatoriedade" de continua sendo um dos melhores trompetistas de sua geração. À primeira vista, alguém apenas vaidoso. Mas, com o passar do tempo, passamos a perceber um Chet Baker doce, sentimental, apenas querendo poder fazer aquilo que gosta: tocar. Mesmo gostando dele, Jane e seu empresário Dick não conseguem compreendê-lo, e o sofrimento, como toda boa canção de jazz, acaba sendo inevitável.

Mesmo não expondo muito do passado do protagonista, e já o mostrando na fase adulta, o roteiro consegue construir, na nossa mente, uma imagem de Baker que, talvez, seja, de fato, aquilo que ele foi. Com ritmo e feeling, o estreante diretor Robert Budreau consegue não só fazer uma bela cinebiografia de um dos maiores gênios da música do século 20, como também um bom drama a respeito de alguém que, simplesmente, não consegue se adequar aos padrões que lhe são impostos, como ter um emprego fixo, por exemplo, já que na época retratada no filme, Baker estava na condicional.




Por ser uma cinebiografia calcada no mundo da música, "Born to be Blue" também nos presenteia com momentos marcantes ao som de jazz. Até os ensaios de Chet Baker são emocionantes, provando que ele realmente levava a música a outros patamares. E, pra quem gosta do estilo, algumas figuras carimbadas dão as caras, como Dizzy Gillespie e Miles Davis, muito bem retratados, principalmente, devido à rivalidade que este último nutria com Baker, e vice-e-versa. Um período, por sinal, em que as rivalidades impunham ao artista se superar cada vez mais. Bons tempos.

E, claro, nada disso surtiria efeito se o elenco não fosse competente o suficiente. Callum Keith Rennie (como Dick) e Carmen Ejogo (como Jane) nos entregam atuações muito firmes, e como eles são os pilares de sustentação de Chet Baker em muitos momentos, suas ótimas performances ficam ainda mais evidentes. Mas, o filme é mesmo de Ethan Hawke, que, aqui, tem uma atuação além de qualquer expectativa, fazendo deste, talvez, o seu melhor trabalho no cinema. Toda a tristeza e angústia do personagem são canalizados em pequenos gestos, e, com um único olhar, temos certeza: ali é Chet Baker!




Apesar de alguns escorregões em sua condução (como certas cenas que mais parecem alguma vídeo motivacional - vício eterno de Hollywood), "Born to be Blue" é uma cinebiografia de respeito, ao nível de um "Ray", por exemplo, e que, mais uma vez, mostra como a música é bela quando a arte sangra. Apesar de tudo e de todos, Baker viveu como quis, e pagou seu preço. Quis que fosse assim. E, de uma certa maneira, ele estava certo.


NOTA: 8/10

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