Dica de Filme

O Direito do Mais Forte é a Liberdade
1974
Direção: Rainer Werner Fassbinder


Há filmes, que pela sua premissa, poderiam ser uma coisa, mas, devido ao talento de seus realizadores, acabam sendo outra completamente diferente. No caso de Fassbinder, conhecido por suas obras bastante autorais, e um tanto peculiares, a história de um rapaz meio ignorante, que trabalha num circo, e depois de ganhar na loteria, envolve-se com um homem da alta classe média, que só faz lhe explorar, acaba servindo para o cineasta discorrer sobre a hipocrisia de uma burguesia arrogante. E, tudo tratado com uma maneira de filma diferenciada.

Antes de mais nada, conhecemos Franz, que trabalha com seu amigo, sendo uma "atração de circo", chamado apenas de "Fox, a Cabeça Falante". Depois que seu companheiro de trabalho é preso por sonegação de impostos, Franz, desempregado, conhece Max, por quem se envolve amorosamente, e passa a frequentar a alta roda da sociedade. Nesse meio tempo, ele ganha na loteria, mas, desde o início, percebe-se que ele não é cuidadoso com dinheiro, principalmente, depois que conhece Eugen, e passa a ter um romance com ele, aonde explorações e humilhações serão frequentes.  




O interessante é que, pra época, Fassbinder lida com a questão da homossexualidade com muita naturalidade. Nenhuma "bandeira" é levantada aqui, nesse sentido. As relações homoafetivas são retratadas como corriqueiras, e até os pais dos personagens principais tratam a questão de maneira tranquila. Na verdade, se existe algum preconceito retratado no filme é o de classes. A todo momento, Franz é lembrado por seu namorado que é bruto e ignorante, não tem cultura, nem vasto conhecimento, e que se quiser continuar entre a burguesia, precisará aprender boas maneiras.

Essa ótica do roteiro em retratar um preconceito em detrimento de outro é acertadíssima, pois, expõe, naturalmente, que até entre pessoas que sofrem da sociedade alguma forma de intolerância, também se mostram intolerantes em outros aspectos, não amenizando a crítica para nenhum lado. Chega a ser incômodo a forma como Franz é tratado em alguns momentos; uma pessoa muito ingênua, que está tão somente apaixonada, e, cujo destino pode ser uma queda sem precedentes. Nesse sentido, a produção, em alguns momentos, é dura, quase cruel.




O roteiro, ao longo do filme, também vai tratando de outros assuntos mais subjetivos, como a futilidade e a desesperança diante de mundo que você sabe que vai sempre lhe explorar, independente do que você faça. Nesse sentido, é muito emblemática a cena de uma festa, em que a irmã de Franz, bêbada, arma um escândalo, e fala verdades nuas e cruas para todos. É como uma válvula de escape, que funciona como nossa representação, aquilo que queríamos dizer, preso na garganta, mas, não conseguimos. O próprio Franz também tem esse momento de desabafo já no final da produção.

Não esperem um filme convencional. Tudo é filmado para dar a sensação de estranhamento, de incômodo, como se aquele ambiente da alta sociedade tivesse que ser desagradável tanto pra Franz, quanto pra nós, espectadores. Os atores que interpretam os personagens (incluindo o próprio Fassbinder, que faz o protagonista) também não são estereotipados, com a aparência diferenciada daquela que teríamos em mente de um empresário ou de alguém pertencente ao proletariado. Essa forma de subversão é ótima, pois, força quem assiste a questionar até mesmo seus preconceitos




Sendo um filme difícil de definir, mas, muito interessante em sua realização, "O Direito do Mias Forte é a Liberdade", questiona pontos do nosso preconceito, que até hoje fazem parte de nosso cotidiano. Com um desfecho triste, mas, necessário, o longa coloca o dedo na ferida a respeito de nossa incapacidade de altruísmo e da angústia de percebemos que podemos estar sozinhos em nossa dor. Um belo retrato de uma sociedade cada vez mais decadente.


Nota: 8,5/10

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