Filme Não Recomendável

Tropas Estelares
1997
Direção: Paul Verhoeven


Às vezes, a qualidade ou não de um filme é medida não apenas por sua "suposta" intencionalidade, e sim, pelo o que consegue fazer com o material disponível, e o que, de fato, provoca nas plateias. Exemplo recente é o brasileiro "Tropa de Elite", que alguns dizem ser uma história com forte teor crítico em relação às instituições, como a polícia. Mas, será, mesmo? O que, na prática, vimos foi a população ser influenciada ainda mais pelo filme a aprovar a truculência policial e a bradar com mais força que "bandido bom é bandido morto". Quem teve a oportunidade de assistir à saga de Capitão Nascimentos nos cinemas, com certeza, viu a plateia em peso urrando de alegria quando os policiais cometiam alguma barbaridade, como torturar uma mulher com saco plástico. Ou seja, por mais que se queira atribuir uma determinada característica a "Tropa de Elite", e reação do público diz mais do que qualquer análise superficial.

E, o que isso tem a ver com "Tropas Estelares", baseado na obra de Philip K. Dick? Absolutamente tudo, pois, o filme do diretor Paul Venhouver, até hoje, é vendido por cinéfilos mundo afora como uma crítica voraz e irônica aos regimes autoritários. Pra quem não se lembra, a produção chegou a ser muito critica à época por parecer fazer uma apologia ao militarismo. Os seus defensores, obviamente, usam o velho argumento de que ele foi apenas mal compreendido no passado, afinal, nessas horas, quem discorda é porque simplesmente não tem a inteligência necessária para alcançar a "mensagem" de obra tão impactante. Mas,m tentemos deixar paixões e polêmicas de lado, e tentemos nos ater a "Tropas Estelares" como cinema e o que ele consegue passar com seu texto aos espectadores, no final das contas.




No início do longa, temos o que parece um comercial para a TV, saldando a vida militar como algo fenomenal. Pipocam na tela sorrisos largos (e, totalmente fakes), do tipo propaganda de pasta de dente, mesmo. Claro, podemos até abstrair o exagero caricatural nesse início porque pode parecer somente que o diretor estivesse sendo irônico, criticando aquilo que, superficialmente, estaria elogiando. Só que o filme se desenvolve, e quando vamos conhecendo os personagens principais, vamos entendendo que alguma coisa não se encaixa na intenção do roteiro. Exemplo? Numa cena dentro de uma sala de aula, um professor linha dura sobre a importância dos militares, a diferença entre um mero civil e um cidadão (termo usado pra quem serve o exército) e a falha da democracia em nosso sistema. Brilhante, certo? Porém, enquanto ele fala, Johnny e Carmen, dois dos protagonistas estão brincando de desenho virtual. O problema é que isso não distrai apenas os personagens, mas, o espectador também, como se o roteiro, por medo de se aprofundar em certos temas, buscasse uma "válvula de escape" boba e ingênua.

Mas, tudo bem, deixamos o filme seguir o seu rumo, pois, esses detalhes podem ser apenas erros iniciais contidos no roteiro, ou (vá lá), tudo não passa de ironia, afinal. Só que na sucessão de acontecimentos, desde o alistamento do núcleo principal de personagens para combaterem a grande ameaça à humanidade na forma de monstruosos insetos, esses mesmos erros vão se acumulando junto com outros. Pra começar, ninguém aqui consegue ter o mínimo de carisma. O ideal é que, numa sociedade distópica, vivendo num regime autoritário e fabricando verdades absolutas, que haja um ou outro personagem que você se identifique no mínimo, questionando essa realidade. Mas, não. Todos, sem exceção, são caricatos, irritantes, como se estivéssemos assistindo a algumas dessas séries pra TV da Disney, onde os personagens riem o tempo todo, e possuem ZERO de conflitos. De Johnny a Carmen, passando por Flores e Carl, não há um, sequer, que inspire a mais remota empatia.




Ok, mas, então, suponhamos que a intenção era essa mesma: mostrar que pessoas, num regime de total alienação são "iguais" e "descartáveis", por isso, todos parecem ser tão falsos e rasos como seres humanos. A grande questão é que o filme também não se sustenta como crítica. As poucas vezes em que o roteiro parece que quer colocar um pouco mais o dedo na ferida, Verhouven e cia exageram na dose. Isso porque quando algo é carregado demais de caricatura, passa do que poderia ser uma fina ironia a uma sequência de acontecimentos constrangedores. É como se, pra sublimar qualquer opinião mais forte, a narrativa apelasse para cenas que "distraiam" a nossa atenção, e, no final, a crítica não se completa, mas, fica parecendo que tudo não passou de um sarcasmo inteligente. Pura ilusão.

Se podemos tecer algum elogio verdadeiro a "Tropas Estelares", ele reside na caracterização das criaturas e nas cenas de ação envolvendo elas. A carnificina impressiona, mas, não chega a ser um surpresa se pensarmos que Verhouven foi responsável pelo violentíssimo "Robocop". Por sinal, em termos de críticas sociais, o Policial do Futuro dá de dez a zero neste aqui, justamente, porque o diretor soube dosar melhor o que queria contar. Outro ponto a favor de "Tropas Estelares" é a sua narrativa, que, a despeito dos inúmeros defeitos, flui bem em suas mais de duas horas. Inclusive, do final do segundo ato pro início do terceiro, o filme adquire um tom muito bom de aventura, e se era pra contar uma hist´poria distópica de maneira tão ruim, era preferível que a aura aventureira prevalecesse. Pelo menos, tudo ficaria mais empolgante.




Falar em atuações no filme chega a ser uma sacrilégios, pois, todos estão péssimos, canastrões até a medula, e não porque o roteiro pede isso, é porque nenhum consegue dar alguma motivação para os seus personagens. Já, no campo técnico, pra quem gostam de efeitos visuais, realmente, temos um deleite, com cenas muito bem feitas nesse sentido. Mas, é aquela história: para uma super produção hollywoodiana que custou milhões, esse detalhe não é mais do que obrigação. E, por fim, o senhor Verhouven, mesmo deixando a história seguir bem até a final, mostra-se bastante clichê em algumas soluções para, justamente, deixar a trama fluir. No mais, acaba sendo um dos piores trabalhos do cineasta.

É bem provável que "Tropas Estelares" continue seno venerado como uma grande ficção científica que, calcada na distopia, faz críticas ótimas à nossa sociedade. Só que talvez a verdade seja outra: além de, como cinema, ser um filme ruim de doer, provavelmente, a intenção de seus realizadores fosse fazer, de fato, uma ode ao militarismo e aos regimes autoritários em geral. Porque, se a pretensão foi o posto, então, eles falharam miseravelmente, com o passar do tempo, nem o fã mais ardoroso de Verhouven vai conseguir enxergar uma crítica produtiva que seja aqui. Se é pra venerar uma distopia mais pop no cinema, e que faz críticas certeiras, é bem melhor falar dos filmes da saga "Jogos Vorazes", estes sim, impactantes em sua proposta, não usando artifícios desonestos para impedir o público de refletir sobre o que está assistindo.


NOTA: 3/10


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