Dica de Filme

Jogo de Poder
2010
Direção: Doug Liman


ELETRIZANTE THRILLER MEXE NAS FERIDAS RECENTES DOS EUA AO EXPÔR A FARSA DA INVASÃO AO IRAQUE

Indagação: thrillers políticos são panfletários? Geralmente, sim, e não há nenhum problema nisso. O que pesa negativamente é quando se tenta romancear demais uma história baseada em fatos, ao invés de se ater numa abordagem mais objetiva. E, quando esse panfletarismo raso, tacanho e infantil se funde a um ufanismo cego, tudo fica ainda mais ridículo e desinteressante (caso de "A Hora Mais Escura", "Argo" e "Ponte dos Espiões"). 

Mas, há outros exemplares do gênero que conseguem ser thrillers instigantes, e até mesmo, ácidos em suas críticas, sem necessitar de apelações ou coisas do tipo; apenas, atendo-se a uma boa história. "Jogo de Poder" está nesse seleto grupo.




O posicionamento político aqui reside num período bastante conturbado da história recente dos EUA: o pós-11 de setembro, mais precisamente, os preparativos para a invasão ao Iraque. Os protagonista deste enredo são Valerie Plame, agente secreta da CIA e seu marido Joseph Wilson, diplomata que já tinha prestado alguns "serviços" ao governo norte-americano em tempos de crise. E, agora, Joseph foi incumbido de ir ao Iraque, e confirmar a existência de armas de destruição em massa fabricadas por Saddam Hussein, o que justificaria uma invasão do exército dos EUA ao país. 

Em paralelo, Valerie também estão numa investigação que visa comprovar ainda mais a existência desses armamentos iraquianos. Conclusão? Tanto um quanto o outro não encontram indícios desse tipo de arma no país, e é aí que começa o calvário de ambos.

O roteiro de "Jogo de Poder" é muito hábil ao mesclar a vida do casal na profissão, em em momentos mais íntimos, com os filhos ou com os amigos. Num primeiro momento, há um foco total a Valerie, e as suas intermináveis viagens e investigações para descobrir algo de substancial que valide uma invasão norte-americana. 

Mas, depois, quando uma determinada atitude de Joseph repercute na mídia e na opinião pública, em geral, a história passa a se concentrar um pouco  mais nele, em especial, a sua tour de fource contra inúmeros obstáculos, inclusive, relacionados às repreensões de sua esposa. São instantes de muita tensão, cujo o enredo não perde a mão, nem o foco de suas críticas, principalmente, quando elas se direcionam ao presidente em exercício da época: George W. Bush.




O roteiro também se mostra muito coerente quando não mostra os iraquianos como "vilões", nem tão pouco os norte-americanos como "heróis". Ao contrário: vemos como a população do Iraque foi a parte que mais sofreu nessa, seja por um governo totalitário de um insano como Saddam Hussein, seja pelos interesses de outro governo totalitário (o dos EUA). Acertadamente, não há polarizações medíocres aqui, enfatizando os pontos certos, e sem falsos moralismos. 

Por sinal, é muito representativa a sequência em que os únicos informantes iraquianos que a CIA teve durante esse tempo foram deixados em seu próprio país, no meio da guerra, abandonados para morrerem lá. Algo realmente muito incômodo, mas, que reflete bastante a realidade dos fatos. E, que essa visão mais crítica e humanista tenha saído do cinemão norte-americano, isso, por si, já é algo que merece ser elogiado.

Os dramas pessoais do casal Valerie e Joseph também não são deixados de lado. Se, num primeiro momento, o casamento deles está em crise devido às sucessivas viagens dela, depois, são as atitudes dele (muito louváveis, diga-se) que fazem com que o relacionamento de ambos fique balançado. E, é tudo muito autêntico, sem que nada soe forçado (com exceção de alguns momentos do terceiro ato, no qual uma conversa entre Valerie e o seu pai se mostra um tanto melodramático, e que poderia ter sido facilmente eliminado do filme, que não faria falta alguma). 

No entanto, fora esse detalhe, o filme conduz muito bem a história dos dois, ao mesmo tempo em que possui outros elementos muito bem construídos, como a parte da espionagem, fazendo dele um thriller bastante movimento, além de uma bem-vinda crítica à política anti-terrorista adotada nos últimos anos.





Não é preciso muito esforço para perceber que dois dos destaque de "Jogo de Poder" é a sua dupla de atores principais. O que era de se esperar, já que Naomi Watts e Sean Penn estão, quase sempre, ótimos em seus papéis, e aqui não é nem um pouco diferente. 

Além do roteiro muito bem escrito, a cargo de Jez Butterworth, o mesmo de "007 Contra Spectre", destaque também para a direção ágil de Doug Liman, cineasta que já fez alguns blockbusters um tanto quanto esquecívei, como "No Limite do Amanhã", mas, que, em "Jogo de Poder" ele está em ótima forma, dirigindo tudo com fluidez e competência, não fazendo com que percamos o interesse pela história ao longo de quase duas horas.

"Jogo de Poder" não é tão conhecido quanto outros thrillers políticos que, ano após ano, infestam o cinema com uma visão muito rasa dos fatos. Talvez seja por isso mesmo que este filme foi quase relegado ao esquecimento, justamente por proporcionar uma boa reflexão dos últimos acontecimentos mundiais, sem precisa apelar para ufanismos, ou coisas do tipo. 

O que não deixa de ser óbvio, já que o público sempre preferiu, em massa, o velho e batido embate "herói x vilão", indo de encontro a uma realidade dos fatos mais complexa, e que exclui essas interpretações tão simples, quanto nocivas. Como um estranho no ninho no meio de uma polarização que se recusa a pensar, "Jogo de Poder" é o tipo de filme que merece ser visto e revisto quantas vezes forem necessárias.


NOTA: 8,5/10


Comentários