Dica de Filme

Tanna
2015
Direção: Martin Butler e Bentley Dean


MESMO RECICLANDO VELHAS HISTÓRIAS SHAKESPEARIANAS, ESTA FÁBULA MODESTA CONSEGUE EMOCIONAR AO MOSTRAR A UNIVERSALIDADE DE SENTIMENTOS E TRADIÇÕES

O bom cinema não precisa de muita complexidade. Há que ache que um filme necessite de grandes arroubos metafóricos, com imagens, gestos e palavras que remetam a múltiplas interpretações, e por aí vai. Nada disso. Muitas vezes, esse tipo de cinema é pedante e vazio de conteúdo, apenas tendo bastante estética. 

Não há problema nenhum com a simplicidade, contanto que ela seja bem utilizada a serviço de uma história que valha a pena. E, daí se essa história já foi contada inúmeras vezes? No final, mesmo as obras mais complexas, não são sobre os mesmíssimos temas? 

Disto isto, verdade seja dita: "Tanna", apesar de sua história batida, tem muita força dramática sem precisar ser piegas. Com um diferencial: tudo é contado pela ótica de aborígenes, que, no filme, interpretam eles próprios.




Verdade que, para alguns, esse diferencial da história se passar com uma tribo distante da "civilização" (entre aspas, mesmo), pode não ter nada demais, como se estivéssemos vendo, que sabe, apenas mais um capítulo do Discovery Channel. Porém, despidos de quaisquer preconceitos, vamos enxergar um enredo forte, que, mesmo com uma história batida, quando bem contado, rende muito. De início, contemplamos o dia a dia de uma das tribos residentes de uma região remota da Oceania. Aos olhos menos atentos, apenas uma sequência de fatos exóticos. 

Porém, com o passar do tempo, a história vai afunilando para alguns personagens, e vamos vendo que seus desejos, angústias e esperanças não são nenhum um pouco diferentes de alguém que more em qualquer lugar do mundo. E, essa universalidade de sentimentos vai nos aproximando cada veza mais dos personagens, fazendo com que simpatizemos e torçamos por eles. 

E, deve ser isso que talvez alguns estranhem: a abordagem é de seres humanos, simplesmente, e não de um "enjaulado" em seu ambiente para a visitação de curiosos.

Dos todos aqui, três personagens se destacam: Wawa, que está no meio de um rito de passagem para a vida adulta, Dain, vigoroso guerreiro, que possui um enorme trauma envolvendo uma tribo rival, e a pequena Selin, irmã de Wawa, que vez ou outra, mostra-se desobediente e avessa aos costumes de sua tribo. A trama girará em torno desses três, e é a partir de seus dramas pessoais que tradições serão questionadas, colocando até mesmo a tribo deles em risco. 

Sim, é verdade, a história é essa mesma, universalmente conhecida por qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo. Porém, isso desmerece "Tanna"? De forma alguma, e isso porque, como cinema, o filme é muito bem feito em diversos pontos, a começar pelas interpretações. Fazendo os papéis deles mesmos, o indígenas que vemos no filme atuam de maneira tal natural, tão espontânea, que chega a lembrar um pouco a tática usada por Fernando Meirelles em "Cidade de Deus": pegar gente sem nenhum experiência, conferindo um tom mais realístico às atuações. 

E, em "Tanna", essa estratégia funciona muito bem.




Outro fator essencial para a qualidade cinematográfica de "Tanna" são os seus realizadores, mais especificamente, Martin Butler e Bentley Dean. Ambos são documentaristas, e passaram cerca de sete meses em Vanatu (estado da Oceania) atrás de histórias para um programa de TV. 

No entanto, a bela receptividade dos Yakel (tribo retratada no filme) mudou os planos dos cineastas, que, ao invés de fazerem um documentário, preferiram apostar numa ficção, tendo como base a história real que, em meados da década de 80, após certos acontecimentos, a tribo Yakel mudou os seus costumes, permitindo o que eles chamam de "casamento com amor". 

É daí que surgiu o simples (mas, eficaz) roteiro sobre o amor proibido entre Wawa e Dain. E, o enredo, por sinal, é bem conciso, enxuto, não se perdendo demais em melodramas, passando, assim, a mensagem de uma forma bastante contundente (e, bonita). 

Além desses atributos, como não poderia deixar de ser, as paisagens que compõem o ambiente são belíssimas, e até possuem algum sentido simbólico dentro da trama, como, por exemplo, na beira de um vulcão onde os Yakel vão, de vez em quando, para meditarem, é onde ocorre o clímax do filme, como se o fogo naquele momento representasse a tragédia dos personagens. 

E, não obstante a tudo isso, o enredo ainda reserva uma crítica sutil aos colonizadores cristãos, que, gradativamente, desvirtuam as tradições e costumes dos aborígenes da região, chegando ao ponto de descaracterizá-los por completo. Não à toa, numa das cenas Wawa diz a Dain que "é preferível morar na floresta, do que com esses cristãos". 

Ótima provocação, que não vai muito além disso, mas, ainda assim, sugere alguma reflexão.




Concordo perfeitamente que não estamos diante de um clássico revolucionário da sétima arte, ou algo do tipo. Mas, sejamos honestos: isto realmente importa para apreciarmos uma obra bem feita, realizada com simplicidade, porém, de maneira muito correta? Algumas vezes, certas histórias merecem ser retratadas com um alto nível de complexidade, e outras, não. 

Cabe, no entanto, identificar se um filme é ou não "bom cinema". E, "Tanna", humildemente, é. Possui um bom roteiro, ótimas atuações, e a sempre necessária mensagem de que, às vezes, tradições precisam ser quebradas para quem possamos evoluir, ao passo que outras precisam permanecer para a preservação da nossa memória, essencial para saber quem somos. 

Um filme, acima de tudo, bonito.


NOTA: 8/10


Comentários