Dica de Filme

The Blood - Os Filhos do Medo
1979
Direção: David Cronenberg


Está bem difícil meter medo no espectador de cinema atualmente. Na realidade, os recentes filmes de terror assustam mais pelo nível de ruindade do que pela história em si. Parece que foi-se o tempo em que se sabia como mexer com os sentimentos de pavor das pessoas. E, Cronenberg sabia muito bem como fazer isso.

Este "The Blood" é o seu segundo trabalho. Mas, mesmo precocemente, o cineasta, demonstra grande domínio sobre sua obra, descrevendo como pouco no gênero o mal intrínseco a nós. E, o filme, além disso, possui algo de muito autobiográfico. Nessa época, ele estava passando por um processo intenso de divórcio, e isso, com certeza contribuiu para o desenvolvimento da trama.

De que se trata o enredo, afinal? Primeiro, logo no começo, vemos uma cena que parece ser uma encenação teatral. E, de fato, é. Porém, o que estamos vendo não é uma peça de ficção, mas, um "tratamento psiquiátrico", conduzido pelo Dr. Hal Raglan. Tal tratamento é muito simples: o doutor instiga o paciente a "soltar os seus demônios" (medo, angústias, sofrimentos e, principalmente, raiva), e assim, enfrentá-los da melhor forma. Ele batiza o método de psicoplasma.




Paralelo a isso, conhecemos Frank e sua filha pequena, Candice, que mora com com ele. Frank está passando por um processo doloroso de separação (entenderam a semelhança com a vida particular de Cronenberg?), e, agora, a sua ex-esposa, Nola, está se tratando com o Dr. Hal. Devido a trumas de infância, ela já tinha problemas psicológicos sérios, mas, com o divórcio, a situação se agrava. É quando acontecimentos estranhos envolvendo criaturas macabras passam a aterrorizar todos.

Falar mais da história é desnecessário, pois estragaria qualquer boa surpresa. E, acreditem, tudo é muito bem conduzido pelo diretor. Praticamente, não encontramos furos de roteiro aqui, diferentemente da grande maioria de produções do gênero de hoje, que forçam a mão em situações pouco convincentes. As atitudes dos personagens são bastante parecidas com a realidade, o que mostra uma preocupação de simplesmente não avançar a trama usando de artifícios sem nexo.




O clima que impera também é pesado e muito tenso. Não esperem alívios cômicos pra descontrair a plateia. Por sinal, a aura que paira na produção não tem os histrionismos típicos das produções norte-americanas em geral. A história é contada até com certa calma, com cada fato acontecendo no momento certo. E, as atuações, em especial, a de Samantha Eggar, como Nola, chegam ao ponto de surpreenderem. Não há um tom caricato na caracterização dos personagens, outra raridade no meio.

E, é claro, temos uma boa quantidade de imagens aterrorizantes e desagradáveis no filme, marca registrada de Cronenberg. Mas, o que em outro diretor, ficaria algo apelativo, com o cnieasta canadense, suas imagens repulsivas têm um fio narrativo, uma razão de existirem para o enredo fluir, e não um mero exercício estético. Sim, choca alguns desavisados, porém, fica difícil imaginar os melhores momentos das produções de Cronenberg sem isso.




"The Blood" é uma aula de como fazer um filme de terror autêntico, quase como fez William Friedkin com "O Exorcista" (guardadas suas devidas proporções). Em ambos os casos, o terror (explícito) se confunde com o horror (implícito), este, muitas vezes, pior, mostrando o quando a alma humana pode ser sórdida. Controlar esse equilíbrio é importante para produzir o medo, elemento essencial nesse tipo de filme, e que Cronenberg sabia fazer como poucos.


Nota: 8/10

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