Dica de Filme

A Vida é Bela
1998
Direção: Roberto Benigni


Num documentário sobre o filme "O Grande Ditador", de Chaplin, alguém diz que "a melhor maneira de combater um regime autoritário é rir dele, mostrar o quanto ele é patético". Só que, pra alguns, fazer graça com algo como a guerra pode parecer de mau gosto. Quando o cineasta italiano Roberto Benigni fez a sua fábula sobre o assunto, muita gente, à época, ficou com o pé atrás. Será que "A Vida é Bela" conseguiria manter a mesma força da obra-prima de Chaplin? A resposta foi além das expectativas.

O que Benigni realizou foi muito simples (de tão desconcertante): "A Vida é Bela" é uma ode à beleza da vida, às coisas simples, ao humor ingênuo. E, quando se presta ao ridículo é para criticar o autoritarismo das ditaduras, que são, todas elas, ridículas, mesmo. Ajuda o fato do ritmo do filme ser elétrico, pulsante, muito apropriado para a escola italiana de cinema, que muitos taxam de histriônica. Mas, aqui, essa estética funcionou muito bem.




O diretor ainda acumula a função de ator principal, assim como um Chaplin moderno, e o resultado é tão ótimo quanto. A energia de sua atuação casou bem com a proposta do personagem que ele interpreta, Guido, um garçom que pensa em montar uma livraria e vive inventando histórias para tornar a vida dos que estão ao seu redor mais alegres. A primeira metade do filme mostra ele aos encontros e desencontros com Dora, seu grande amor.

Mesmo em meio a brincadeiras até bobas, o roteiro encontra espaço para críticas bem direcionadas. Numa sequência, Guido assume o papel de um inspetor escolar que vai fazer uma palestra para crianças sobre a raça superior dos arianos. A cena é hilária, com Benigni usando aquele humor tipicamente corporal para demonstrar o quanto é idiota a ideia de uma raça superior. O outro momento de igual impacto, mas, sem humor, é quando, numa conversa trivial, algumas pessoas dissertam normalmente problemas matemáticos envolvendo o extermínio de vidas humanas. Tal abordagem é chocante (e, feita de maneira genial).




Já, a segunda parte de "A Vida é Bela" é peculiar. Sim, continuamos a rir com as peripécias de Guido e sua brilhante imaginação. Mas, agora, o riso vem acompanhado do mais profundo aperto da alam. É quando Guido, Dora e o filho dos dois, Giosué, são levados para um Campo de Concentração nazista durante a Segunda Guerra. E, aí está a grandeza do filme: o pai, temeroso pela perda da inocência do filho em meio a uma tragédia dessas, mente pra ele, dizendo que tudo se trata de um jogo.

É nessa parte que temos cenas memoráveis. Como não se emocionar (e, rir também) quando Guido finge falar alemão para "traduzir" a fala de um oficial nazista na frente do filho, "explicando" as regras do jogo? É tremendamente forte e tocante ver o esforço dele para preservar a mente de criança de seu filho. Também pode ser vista como uma crítica a nós, adultos, que, com o passar do tempo, às vezes, por coisas menores que uma guerra, perdemos essa sensibilidade lúdica, infantil.




Há de se elogiar muito a atuação de Giorgio Cantarini, que interpreta Giosué. Apenas uma criança na época, ele consegue transmitir bastante carisma, inteligência e delicadeza de seu personagem-mirim. A química com Benigni funciona em praticamente todas as cenas, fazendo com que a gente consiga enxergar ali uma relação pura de amor entre pai e filho como poucas vezes vimos na história do cinema. E, olhem que estamos falando de uma comédia, a priori.

Mas, é bom ressaltar que "A Vida é Bela" não se encaixa muito bem em rótulos. Em essência, é uma comédia. Só que também é drama e filme de guerra (um dos melhores já feitos, inclusive). A questão é que reúne, em quase duas horas, a magia de um verdadeiro cinema, aquele que mexe positivamente com nossas emoções, nossa intuição, nosso senso crítico. Comunga tudo isso de maneira a nos fazer acreditar que a vida, apesar da barbárie cotiana, ainda continua sendo bela. Bastando criarmos nosso próprio ponto de vista.


NOTA: 8,5/10 

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