Dica de Filme

Martyrs
2008
Direção: Pascal Laugier


Não há como negar que os filmes de terror (principalmente, os hollywoodianos) sofrem de uma falta de criatividade imensa. Atualmente, ou partem pra um horror mais sobrenatural, com toques de drama familiar (não passam de imitações baratas de "O Sexto Sentido"), ou apelam pra litros e litros de sangue (caso dos repugnantes "O Albergue" e "A Centopeia Humana"). São poucos, pouquíssimos mesmo, os que se diferenciam, buscando um equilíbrio nessas fórmulas, e, mesmo assim, continuar sendo perturbadores até a alma. "Martyrs", apesar de alguns erros pontuais, consegue se diferenciar.

Este filme faz parte do novo cinema de terror francês, num movimento apelidado de "New French Extremism", que, como o próprio nome já indica, traz sempre conteúdos fortes, muitas vezes, intragáveis para o público médio, acostumado a tramas mais leves e até sacais. "Martyrs" talvez seja o ponto alto dessa tendência, justamente porque alia não somente uma tensão angustiante e uma violência incômoda (e não gratuita), mas também pelo seu enredo, que é muito mais do que aparenta, deixando o espectador atordoado e perdido, que não sabe como tudo vai acabar, no final das contas.




E, tudo começa com um clima bem diferente, com uma menina fugindo de algo que parece ter sido o seu cativeiro, e depois indo parar num orfanato, aonde acompanhamos o seu desenvolvimento, em uma câmera que simula o tom documental. Em outro momento, visões (seriam visões mesmo?) aterradoras de uma espécie de entidade passam a atormentar a garota. Anos se passam, e o que vamos ter no filme a partir daí é uma história de vingança, que vai se delinear em outra história mais sinistra ainda. Enfim, não há como rotular o roteiro, cabendo ao espectador a experiência de assistir e ir se surpreendendo aos poucos.

Como em outros filmes franceses dessa recente safra de terror, preparem-se para cenas verdadeiramente macabras, recheadas, de fato, de muito sangue. No entanto, não esperem ver algo banal, apenas com o intuito de chocar. As sequências mais pesadas incomodam bastante, mas, fazem parte da trama, e como ela ser construída ao longo. Ponto muito positivo é que a história humaniza todos os personagens, o que possibilita alguma empatia da nossa parte. Quando eles sofrem qualquer tipo de violência, sentimos a sua dor, a sua angústia, o seu martírio. Não são portanto, meros pedaços de carne para saciarem a vontade mórbida de alguém em ver alguém morrendo aos poucos.




Só que mesmo se esforçando pra conseguir um resultado convincente (e consegue), "Martyrs" tem um defeito sério, e que é, basicamente, o defeito de quase todos os filmes de terror: possui uma personagem em específico (amiga da que busca vingança pelas torturas que passou) que só comete deslizes. Tudo bem que é até compreensível que ela seja um pouco perturbada que nem sua amiga, mas, certas atitudes dela beiram a burrice, e isso, em alguns momentos, atrapalha o desenvolvimento a amarração do roteiro, que, tirando esse pormenor, é bem redondo e construído.

Mesmo com esse defeito, é na segunda metade que "Martyrs" mostra a que veio, promovendo uma atordoante guinada na história, deixando tudo mais brutal e incrivelmente triste. Apesar de não ser algo tão profundo, as reflexões propostas  são bem interessantes, chegando a ser inusitadas para uma produção de terror. Num espiral de loucura e pânico, vamos questionando a capacidade humana para a crueldade, e em nome de quê e para quê o mal é feito. Ao final, fica a máxima de que as pessoas ditas "normais" conseguem ser piores de que qualquer monstro ou demônio da ficção.




"Martyrs" é, sem dúvida, uma experiência única, mas, pouco recomendada a quem se impressiona fácil com cenas fortes. Mesmo violento, com personagens de moral totalmente distorcida e uma história mais complexa do que as que infestam os filmes de terror em geral, merece ser visto, e até debatido. Num cinema atual aonde, na maioria das vezes, não se tem nada a dizer, conseguir perturbar todos os sentidos do espectador não é pra qualquer um.


NOTA: 8/10

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