Dica de Filme

Transamerica
2005
Direção: Duncan Tucker


A transsexualidade ainda é um tema muito tabu, até mesmo no cinema. Recentemente, tivemos o burocrático "A Garota Dinamarquesa", que flerta bem com o assunto, mas ainda assim de uma forma um tanto rasa e melodramática. Pra quem quiser um filme que aborde isso com mais naturalidade, porém, "Transamerica" é a produção certa. Isso porque não se trata necessariamente de um drama, apesar de ter partes eventualmente tristes, mas sim, quase uma comédia, leve e despretensiosa, com uma pitada de roadie movie.

Pra começar, Bree Osbourne é uma transsexual que se orgulha de sua condição. Mesmo não aceita pela família, tem emprego e amigos, e isso a ajuda na sua auto-estima. Trabalha muito e junta dinheiro para a sua operação de mudança de sexo, um dos grandes sonhos de sua vida. As coisas mudam, porém, quando descobre que tem um filho, Toby, fruto de um relacionamento quando ainda se identificava como um homem. Decide ajudar o rapaz, mas, sem revelar que ela é o verdadeiro "pai" dele, e ambos começam uma viagem aonde passam a se conhecer melhor e a enfrentar tabus e preconceitos.




À primeira vista, parece ser um drama pesado, porém, não se enganem: tudo aqui é tratado de maneira muito extrovertida, cativante e sutil. Bree é uma personagem com enorme carisma, e mesmo relutando em aceitar que tem um filho, não deixamos de torcer por ela. Por outro lado, Toby começa sendo mostrado como um jovem desajustado, usuário de drogas e que, ocasionalmente, caba se prostituindo. Só que esses detalhes não são expostos de forma maniqueísta, forçada. Até entendemos a revolta do rapaz, e sua relutância em entender Bree como ela é.

Outros personagens igualmente interessantes vão entrando em cena, como o hippie que pede carona a Bree e um velho vaqueiro, que se mostra bastante atencioso em ajudar a inusitada dupla de viajantes. Até mesmo a mãe preconceituosa da protagonista não é pintada com cores carregadas, e mesmo mostrando muita futilidade e intolerância pra com a filha, não conseguimos sentir ódio dela; apenas, pena. Esse trato com personagens e a história em si, sem nada ser manipulador ou panfletário acaba sendo um acerto e tanto, pois trata a transsexualidade como tem de ser: de forma espontânea, sem neuroses.




Por se tratar também de uma espécie de roadie movie, o filme possui suas partes inusitadas e bastante engraçadas, quase sempre a cargo de Bree. Não que o enredo a ridicularize para fazer rirmos dela, ao contrário. É que a personalidade dela é tão radiante e leve, que alguns momentos são realmente divertidos, mas, sem descambarem para o desrespeito. A própria questão do preconceito é tratada nas entrelinhas, seja com a família meio careta de Bree, seja com uma reunião bem-humorada de transsexuais, mostrando o óbvio: ali são pessoas como quaisquer outras.

Até as partes tristes que permeiam a trama são bem colocadas, sem deixarem a história forçada ou inverossímil demais. Sofremos com Bree, sim, mas, no momento certo, sem banalizar suas eventuais dores. Destaque total para as atuações (em especial, uma Felicity Huffman iluminada) e a gostosa trilha sonora, que possui até um genuíno country, entre outras bem-vindas referências a outras culturas, como a latina, por exemplo. Afinal, um roadie movie sem uma trilha sonora que casasse bem com as cenas não seria um roadie movie, no final das contas.




Sem arroubos ou alardes, este é um filme singelo e muito pertinente para nos ensinar a respeito de tolerância e não-preconceito. Suas críticas sutis pegam em cheio aquele espectador desavisado que for assistir à produção pensando em ver algo pesado, ou até mesmo uma comédia escrachada. Nem uma coisa, nem outra. "Transamerica" está bem além dessas soluções fáceis, e nos oferece uma personagem trans cativante, , melhor, sem estereótipos. Um pequeno grande filme, sem dúvida.


NOTA: 8,5/10

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